quinta-feira, 30 de abril de 2009

Trabalhador, comemore - e lute - no seu dia!

"Chegará o dia em que o nosso silêncio será mais poderoso do que as vozes que hoje vocês estrangulam."
Monumento aos trabalhadores mártires de Chicago (1886)

Existe uma piada um tanto conhecida sobre o Primeiro de Maio que diz o seguinte: “Sabe por que existe o dia do Trabalho? Porque os outros 364 dias do ano são do Capital”. Longe de querer-se depreciar essa importante data, pretende-se aqui apenas atentar para uma importante divisão acerca do Primeiro de Maio, entre o que ele deve representar e o que ele porém muitas vezes acaba por representar.

Proclamado pela II Internacional em 1889, três anos após o massacre de uma manifestação de trabalhadores em Chicago (EUA) em favor da jornada de oito horas, o Dia Internacional do Trabalho em primeiro lugar precisa deixar de ser entendido como um dia “do trabalhador”; tal distinção não se trata de um simples capricho lingüístico, pois a expressão “trabalhador” abre a possibilidade de que segmentos das classes capitalistas também reivindiquem a data para si, sob o argumento de que “patrões também trabalham”. É aí que entra o ponto principal daquilo que o Primeiro de Maio é e jamais pode deixar de ser: o dia das classes trabalhadoras e somente delas, entendendo-se aqui “classe trabalhadora” como qualquer classe que não possui outra fonte de renda senão a venda de sua própria força de trabalho. O Primeiro de Maio jamais deve ser um “dia de todos os (sic) trabalhadores”, como a visão fascista-corporativista de uma pretensa “conciliação entre as classes capitalistas e trabalhadoras” tenta impor desde que se tornou impossível proibir e reprimir a comemoração da data. Precisa ser o dia dos (verdadeiros) trabalhadores de todo o mundo, e para isso o Primeiro de Maio deve seguir firmemente seus objetivos originais de 120 anos atrás: deve reverenciar a memória de tantas gerações de trabalhadores que lutaram por sua classe e morreram por não se render aos inimigos desta; deve reforçar a identidade de classe e realizar a confraternização entre os trabalhadores de diferentes classes (operários, camponeses sem-terra, médicos, professores, policiais, soldados, comerciários, etc.); deve servir como dia de descanso destes e de festejo das conquistas dos seus movimentos laborais; e acima de tudo, o Primeiro de Maio precisa ser dia de lutar por novas conquistas trabalhistas, incluindo aí a mais importante delas: a conquista do socialismo, ou seja, a supressão definitiva do capitalismo e de todas as classes dominantes (sejam elas “burguesas” ou “burocratas”), com a conseqüente libertação da Humanidade pelo nascimento de uma nova sociedade sem Estado nem classes sociais, uma sociedade autenticamente democrática, livre e igualitária.

Longe de ser “antiquada” ou “radical demais”, a atualidade e até a urgência de tal visão classista (portanto anti-conciliatória) do Primeiro de Maio se torna mais visível nos nossos dias, quando o capitalismo (pra variar) em crise busca fazer mais uma vez os trabalhadores “pagarem o pato”, ou quando se vê que a Crise Ambiental, produto da essência predatória do capitalismo, torna-se a cada dia que passa uma ameaça real à vida no nosso planeta. Haverão certamente neste dia aqueles que, como sempre houveram, tentarão desviar o foco principal de tão importante data, buscando frear e controlar a radicalidade em potencial desta em benefício de seus próprios interesses egoístas. Políticos e determinados partidos “trabalhistas” e “socialistas”, aí incluídos um certo partido auto-intitulado “comunista” e outro dito “dos trabalhadores” (sintomático aliás que este se considere dos ‘trabalhadores’ e não do Trabalho), bem como sindicatos “pelegos” como a CUT e a Força Sindical, buscarão fazer da data um gigantesco e alienador showmício, como se assim fosse possível esconder a triste realidade a que os trabalhadores se encontram submetidos no mundo capitalista. Sob o controle desses verdadeiros representantes do Capital perante as classes trabalhadoras, isso é o que o Primeiro de Maio tem sido freqüentemente: um Dia do Capital disfarçado! Contra o desvio oportunista desses traidores de classe, somente através da luta consciente e politizada será possível trazer o Primeiro de Maio de volta ao seu dono legítimo – o Trabalho.

Aos que no entanto adotam uma visão “centrista” sobre o assunto, minimizando a importância de tal data, vale lembrar a importância que os próprios capitalistas sempre deram ao dia de sua supra-classe antagônica, sempre é claro buscando confundir, conciliar e cooptar. Assim, não é de se surpreender que o Primeiro de Maio tenha se tornado data oficial em inúmeros países capitalistas imediatamente após a Revolução Russa; ou que o Primeiro de Maio tenha sido instituído oficialmente na Alemanha e no Brasil justamente pelas ditaduras nazista de Hitler e fascista de Getúlio Vargas; ou ainda que, em tempos mais recentes, o Primeiro de Maio tenha sido oficialmente abolido na Polônia, logo depois da destruição do socialismo naquele país. Por isso tudo, fica o chamado: trabalhador, comemore e festeje sim o seu dia, mas não fique só nisso. Lute para que não somente o Primeiro de Maio, mas também todos os demais dias do ano, passem a ser somente seus e de mais ninguém!

domingo, 26 de abril de 2009

Anti-esquerdismo e Condicionamento Mental nos EUA

Graças ao “fenômeno Obama”, o anti-esquerdismo vem recuando nos EUA. Porém, a engenharia social explica porque ainda há muito a se caminhar na construção de uma consciência política no Império.
Por Eduardo Grandi - autogoverno@gmail.com


Duas pesquisas de opinião realizadas nos EUA no início deste mês podem dar uma mostra, ainda que vaga, das convulsões e contradições a que a sociedade do Império vem sendo submetida nos últimos meses.

Na primeira delas, de acordo com o instituto Rasmussen, atualmente “somente” 53% dos norte-americanos acreditam que o capitalismo é melhor do que o “socialismo”. Embora apenas 20% vejam o oposto (os outros 27% disseram não ter certeza sobre qual sistema é melhor), o resultado de tal pesquisa traz revelações surpreendentes. Pois se é verdade que 53% da população dos EUA ainda são contra o que vêem como socialismo, é de se destacar que 47% dos cidadãos da nação mais fanaticamente anti-esquerdista do planeta não possuem mais quaisquer ranços ou preconceitos contra a palavra “socialismo”. Mais, de acordo com essa mesma pesquisa, se considerarmos apenas os mais jovens (até 30 anos), os percentuais de favoráveis e de não-contrários ao “socialismo” sobem para respectivamente 33% e 63%! Isso tudo levando em conta que a pesquisa foi realizada por um instituto conhecido por suas posições conservadoras!

Tais números ficam ainda mais incríveis se considerarmos que o resultado obtido nos EUA não ficou muito atrás de pesquisas e votações semelhantes realizadas em outros países, onde em geral o percentual de contrários e favoráveis ao “socialismo” geralmente fica em torno de 50/50. Quase duas décadas depois do fim da Guerra Fria e do “perigo vermelho” (e com ele o fim do antagonismo que associava diretamente o nome “socialismo” ao “inimigo da pátria” estadunidense, a URSS), aos poucos o povo norte-americano vai se libertando das vendas ideológicas que no passado a propaganda de guerra capitalista logrou enraizar tão fortemente na psique da nação mais poderosa do planeta. Assim, livre da lavagem cerebral anticomunista, que por tanto tempo cegou-o à gritante e crescente superexploração a que era submetido no “paraíso dos capitalistas”, o povo norte-americano aos poucos começa a recuperar a sua consciência política. Contribuíram para isso a grave crise econômica atual e o conseqüente “fenômeno Obama”, que também pode produzir desdobramentos interessantes: após a acachapante derrota eleitoral do partido republicano e dos claros sinais de que seu partido preferido sofreu uma queda violenta na sua capacidade de influir na sociedade, a direita raivosa norte-americana vem se sentindo cada vez mais acuada dentro de seu próprio país, enlouquecendo em desespero por ver crescer aos poucos em seu meio, mesmo que timidamente, alguns dos ideais esquerdistas que eles julgavam ter “exorcizado” para sempre com a queda do muro de Berlim, notadamente as idéias em favor de uma maior intervenção do Estado na economia e na proteção social. Já antes mesmo das eleições presidenciais, quando a crise se aguçava e Obama surgia como promessa, o segmento mais extremo do espectro direito da sociedade norte-americana, dos “talibãs do mercado” aos “falcões de guerra” republicanos, foi se deixando tomar por um clima de paranóia que já alcança hoje níveis assombrosos. Não são poucos (e não são pouco influentes) os que acusam Obama de ser um “socialista”, ao mesmo tempo em que inoculam a esta palavra todo tipo de calúnias e adjetivos negativos que se pode imaginar. Mas o que influencia a consciência das pessoas são mais atos do que palavras, e é aí que as coisas ficam interessantes. Pois a tendência é que Barack Obama realize um governo bem melhor para seu povo do que o de Bush Júnior, e assim o veneno da direita norte-americana se volta contra si mesma já que, mesmo muito longe de ser socialista, o governo Obama se identifica cada vez mais com o termo “socialista”, graças à retórica anti-esquerdista de seus cada vez mais aloprados opositores de direita.

As notícias boas ficam no entanto por aí, quando se vê o resultado de outra pesquisa recente, também conduzida pelo instituto Rasmussen: segundo tal pesquisa, 60% dos norte-americanos acreditam que o governo do seu país, em termos relativos um dos menores do mundo em arrecadação de impostos, tem mesmo assim “dinheiro e poder demais”! Tal resultado mostra claramente que ainda há muito a se caminhar para se incutir uma consciência politizada no povo da nação mais poderosa do mundo; mesmo abalado, o ultra-direitismo ainda possui firmes raízes na psique coletiva estadunidense, resultado de um longo e bem-sucedido processo de engenharia social via condicionamento mental levado a cabo pela massiva propaganda midiática dos interesses de classe das classes capitalistas dos EUA. Mais do que isso, tal resultado é uma contradição flagrante com relação à pesquisa anterior, o que não somente atesta o grau de confusão que ainda impera nas mentes da população do Império como também comprova o condicionamento mental a que este povo foi submetido por suas classes dominantes. Pois se os norte-americanos estivessem a pensar por si só, ao invés de repetirem mecanicamente os preconceitos construídos em seus cérebros pela insistente propaganda de classe movida pela mídia capitalista, suas respostas a essas duas pesquisas de opinião não teriam sido tão escandalosamente contraditórias. Somente o pensar próprio, livre das influências de interesses de minorias, é capaz de produzir idéias que se encaixam umas nas outras a fim de se produzir uma visão de mundo clara e objetiva. A mentira repetida incessantemente pode até tornar-se verdade, mas ela jamais será capaz de gerar verdades completas e coerentes, pois o condicionamento mental, especialidade das classes capitalistas, é por definição acrítico e imbecilizante.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

O Congresso, a Folha e a "democracia" capitalista

De uma notícia aparentemente comum em toda a revolta e indignação que ela traz, é possível aprender importantes lições sobre o sistema capitalista como um todo.
Por Eduardo Grandi autogoverno@gmail.com

Durante a semana passada, vinda do Congresso em Brasília, tornou-se conhecida outra daquelas tantas notícias que quase que diariamente nos deixam indignados. Seria apenas outro caso do tipo que nos faz perder a fé em nossas instituições e em nossos políticos, apenas algo a mais em meio a toda podridão que emana do Planalto Central. Seria, não fosse tal notícia um exemplo bastante didático do que é o sistema capitalista como um todo.

Saiu na Folha de S. Paulo, no dia 21 de março: ”Os integrantes das comissões de Agricultura da Câmara e do Senado, que analisam mudanças nos limites de desmatamento no país, detêm, juntos, o equivalente a pelo menos 40% do território da cidade de São Paulo em terras: 604 km².” (...) “O rebanho do grupo reúne 37 mil cabeças.” (...) “No Senado, oito dos 17 titulares se declaram donos de terras. Na Câmara, a proporção cresce: 21 dos 36 deputados titulares da comissão se apresentam como produtores rurais e apenas cinco como agricultores.” Continuando, a reportagem aponta para o fato de que a principal meta da Comissão de Agricultura este ano é definir mudanças no Código Florestal, que em 2001 havia reduzido o limite tolerável de desmatamento dentro das propriedades nas áreas da chamada Amazônia Legal. Segundo a lei, até o fim desse ano, devem começar a serem punidos os proprietários rurais que desobedeceram ao Código. ”Daí a pressa”, como reconhece a própria Folha, ”em mudar as regras do jogo.” Em resumo, conforme denuncia a reportagem, os próprios donos de terras estão para decidir sobre quanto vão poder desmatar em suas propriedades particulares! A situação se torna ainda mais desalentadora quando se analisa que a bancada dos ruralistas no Congresso é a maior de todas, possuindo mais representantes do que PT e PMDB juntos (embora é claro, tenha também deputados desses partidos). Como reflexo desse enorme poder, os ruralistas controlam entre 80% e 85% das vagas nas comissões de Agricultura, e até mesmo metade das vagas nas comissões de Meio Ambiente!

Isso é capitalismo. E essa é a "democracia" dos capitalistas: ilegítima e contraditória. É ilegítima porque só mesmo aos olhos dos capitalistas pode haver alguma legitimidade em os donos da grande propriedade legislarem em benefício de suas próprias posses. Longe de ser um caso isolado, o exemplo acima é regra corrente nos parlamentos de qualquer ”democracia capitalista”, não só no Brasil como também nos EUA, na Europa ou no Japão. Além das bancadas “formais” dos partidos políticos, sempre há as bancadas “informais” dos maiores grupos econômicos presentes em cada sociedade, que impõem aos governantes a sua vontade na medida do tamanho de seu poder econômico. Foi assim que, para ficar apenas em mais outro exemplo, os setores das indústrias de armas e do petróleo lograram conduzir os EUA e a Inglaterra a invadir e ocupar o Iraque em 2003. O caso brasileiro apenas virou notícia porque ali, diferente do de costume, os próprios deputados são os proprietários, o que tornou a situação gritante demais para passar despercebida. Em geral, o poder dos capitalistas se faz representar no Congresso indiretamente, com as empresas usando seu poder e influência para eleger seus representantes, o que também se inclui nesse caso: a própria Folha identificou entre os doadores de campanha das bancadas, contribuições em maior número dos frigoríficos Friboi, Sadia e Marfrig, e das produtoras de insumos Ultrafértil, Nortox e Bunge.

O que tais exemplos, seja de ruralistas brasileiros, seja das guerras do Oriente Médio claramente mostram é que, no mundo capitalista, o verdadeiro poder por trás de reis, presidentes e parlamentos é justamente a grande propriedade dos bens de produção (bancos, fábricas, terras, etc.). Nenhum governo é o poder em si; sua capacidade de governar a sociedade sempre emana do poder material existente nesta mesma sociedade. No caso do capitalismo, um poder extremamente concentrado nas mãos dos poucos donos da grande propriedade. Assim, no mundo capitalista, vivemos todos sob o poder de uma classe, a classe capitalista. É por isso mesmo que, enquanto houver essa propriedade (ou seja, enquanto houver capitalismo), será impossível haver uma verdadeira democracia.

Já a contradição dessa história toda, que também ajuda a entender o capitalismo, fica por conta da mídia "oficial" deste sistema. É curioso notar que quem fez essa denúncia contra os ruralistas (a Folha de São Paulo) é o mesmo jornal que, há pouco tempo atrás, cunhou a irresponsável expressão “ditabranda” em referência à Ditadura Civil-Militar brasileira (1964-1985), ao mesmo tempo em que acusava Bolívia e Venezuela de serem, essas sim aos olhos do jornal, autênticas "ditaduras". Sobre isso, há de se lembrar do que alguém certa vez disse, de que “todo sistema fundamentalmente injusto sempre oscila entre dois pólos contrários: o de ter que parecer justo e legítimo e o de ser de fato injusto e ilegítimo”. Esse é o lado contraditório, também comum ao capitalismo: criticam-se seus problemas, mas não se resolvem-nos. Pois ao mesmo tempo em que a mídia capitalista (ao denunciar o uso do Estado pelos ruralistas em benefício próprio) expõe as falhas do seu sistema, ela por outro lado fecha contraditoriamente qualquer possibilidade de correção de tais falhas, ao atacar fanaticamente os únicos governos que, mesmo timidamente, têm aplicado o único remédio possível contra essa ditadura do capital: a socialização da grande propriedade, como agora recentemente o “ditador” Chávez – por sinal três vezes eleito democraticamente pelo povo venezuelano – anunciou estar concluindo o processo de estatização da filial venezuelana do banco Santander. Uma vez concluído o processo, isso vai significar menos poder nas mãos de indivíduos e mais poder nas mãos da sociedade, através de seus representantes eleitos. Isso se traduz em mais democracia e, portanto, menos capitalismo. É de se entender porque tanto a Folha quanto esse mesmo Congresso dos latifundiários (vide a recusa até aqui do nosso parlamento em aceitar a entrada da Venezuela no Mercosul), odeiam tão visceralmente os governos progressistas da América Latina.