sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Um Convite*

Creio que a Revolução Cubana dignificou nosso país e os cubanos. E que o Governo Revolucionário tem sido o melhor governo de nossa História.

Sim: antes da Revolução, Havana estava muito mais pintada, os buracos eram poucos e se caminhava ruas e ruas de lojas cheias e iluminadas. Mas, quem comprava naquelas lojas? Quem podia caminhar com verdadeira liberdade por aquelas ruas? Claro, os que “tinham com que” nos seus bolsos. Os demais, a ver as vitrines e a sonhar, como minha mãe, como nossa família, como a maioria das famílias cubanas. Por aquelas avenidas fabulosas somente passeavam os “cidadãos respeitáveis”, bem considerados em primeiro lugar por seu aspecto. Os esfarrapados, os mendigos, quase todos negros, tinham que rodear, porque quando um policial os via em alguma rua “decente”, a cacetetes eram retirados dali.

Isto eu vi com meus próprios olhos de criança de 7 ou 8 anos e continuei vendo até meus 12, quando triunfou a Revolução.

Na esquina da minha casa havia dois bares, em um deles, as vezes, em vez de jantar, tomávamos uma vitamina. Em várias ocasiões passaram marines, caindo de bêbados, buscando prostitutas e se metendo com as mulheres do bairro. Um jovem vizinho nosso, que saiu para defender sua irmã, o atiraram ao chão e quando chegou a polícia, quem acham que levaram? Os abusados? Claro que não. A pontapés pelos fundilhos levaram aquele jovem universitário que, logicamente, depois se destacava nas manifestações estudantis.

Aí estão as fotos de um marine urinando, sentado na cabeça da estátua de Martí, no Parque Central de nossa Capital.

Isso era Cuba, antes de 59. Pelo menos assim eram as ruas de Centrohabana que eu vivi dia a dia, no distrito de San Leopoldo, pegado a Dragones e Cayo Hueso. Agora estão destruídas, me desagrada passar por ali porque é como ver as ruínas da minha própria infância. Cantei-a em “Trovador antiguo”. Como pudemos chegar a semelhante deterioração? Por muitas razões. Muita culpa nossa por não haver visto as árvores, embelezadas com o bosque, mas culpa também dos que querem que regressem os marines para humilhar a imagem de Martí.

Estou de acordo em reverter os erros, em banir o autoritarismo e construir uma democracia socialista sólida, eficiente, com um funcionamento que sempre se possa melhorar, que se garantisse a si mesma. Me nego a renunciar aos direitos fundamentais que a Revolução conquistou para o povo. Antes de mais nada, dignidade e soberania e também saúde, educação, cultura e uma velhice honrada para todos. Gostaria de não descobrir o que está acontecendo no meu país, pela imprensa do exterior, cujos enfoques trazem não pouca confusão. Gostaria que melhorasse muitas coisas que eu disse e outras que não disse.

Mas, acima de tudo, não quero voltar àquela ignomínia, aquela miséria, aquela falsidade de partidos políticos, que quando ganhavam o poder se entregavam ao maior lance. Tudo aquilo acontecia com amparo na Declaração dos Direitos do Homem e da Constituição de 1940. A experiência pré-revolucionária cubana e em muitos outros países, demonstra o que importa direitos humanos nas democracias representativas.

Muitos daqueles que hoje atacam a Revolução, foram educados por ela. Profissionais imigrantes, que comparam forçosamente as condições ideais da “culta Europa”, com a de Cuba fustigada. Outros, mais velhos, que talvez chegaram a “ser algo”, graças à Revolução, hoje se exibem como ideólogos pró-capitalistas, estudiosos das Leis e da História, disfarçados de trabalhadores humildes.

Pessoalmente, eu não suporto os “vira-casacas” fervorosos; estes arrependidos, com seus cursinhos de marxismo e tudo, que eram mais papistas que o Papa e agora são seu próprio reverso. Não lhes desejo mal, a ninguém desejo, mas tal inconsistência me deixa enojado.

A Revolução, como Prometeu (devo-lhe uma canção com esse nome), iluminou os esquecidos. Porque em vez de dizer ao povo; acreditem, lhes disse; leiam. Portanto, como o herói mitológico, querem fazê-la pagar por sua ousadia, amarrando-a em um cume distante, onde um abutre (ou uma águia imperial) devorará eternamente suas entranhas. Eu não nego os erros e os voluntarismos, mas eu não sei esquecer o apelo do povo da Revolução contra os ataques, que têm usado todas as armas para ferir e matar, com os mais poderosos e sofisticados meios de comunicação (e distorção) de idéias.

Eu nunca disse que o bloqueio tem toda a culpa por todas as nossas desgraças. Mas, a existência do bloqueio não nos deu a oportunidade de medirmos a nós mesmos.

Eu gostaria de morrer com as responsabilidades de nossa desfaçatez bem esclarecidas.

Por isso, convido todos aqueles que amam Cuba e desejam a dignidade aos cubanos, a gritar comigo agora, amanhã, em toda parte: ABAIXO O BLOQUEIO!

* Por Silvio Rodríguez (fonte: http://www.cubadebate.cu/opinion/2010/09/10/invitacion/)
Tradução Cuba Viva

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Considerações sobre o caso WikiLeaks

"O fato é que Julian Assange [fundador do WikiLeaks e atualmente preso sob a acusação de estupro] é hoje um preso político, detido sob o mesmo tipo de falso pretexto que é devidamente ridicularizado quando usado para se deter um dissidente russo, chinês ou iraniano. Fosse os segredos de algum desses países que tivesse revelado, o fundador do WikiLeaks seria candidato automático a um Nobel da Paz."
Antonio Luiz Costa, editor da seção internacional da revista Carta Capital

Assine aqui a petição mundial pela libertação de Assange, o preso político número um do "Ocidente".


Nas últimas semanas, tornou-se notório o caso da página de internet WikiLeaks. Fundada pelo ativista australiano Julian Assange, a WikiLeaks já havia ficado conhecida ao fazer vazar documentos sobre crimes de guerra estadunidenses no Iraque, no Afeganistão e na base de Guantánamo. Dessa vez porém foi muito mais longe, revelando, de uma só vez, centenas de milhares de correspondências confidenciais do governo norte-americano, trocadas entre Washington e as inúmeras representações diplomáticas do Império mundo afora, que trazem fatos inquietantes, embora não totalmente inesperadas, sobre os métodos da política exterior estadunidense. Tornaram-se públicas as pressões do Império sobre governos da União Européia para acobertar os sequestros e torturas realizados pela CIA em território europeu, as ordens dadas pela Ministra das Relações Exteriores, Hillary Clinton, para espionar o secretário-geral da ONU, e inúmeras fofocas menores sobre como os EUA vêem o mundo, como desconfiam de seus aliados e ridicularizam seus inimigos.

Há diversas considerações a se fazer sobre o que tais revelações significam para o mundo.

Em primeiro lugar, chama a atenção como o episódio fez cair por completo a máscara de democrata do conjunto de países eufemisticamente chamados de "o Ocidente", bem como demonstrou a íntima relação entre tais governos e o poder econômico transnacional. Realizada numa escala e num grau de coordenação muito além da capacidade deste ou daquele governo, a repressão à "ameaça" WikiLeaks foi fulminante, vindo de todos os lados. Primeiro houve a rápida ação da Interpol e de governos europeus em processar, condenar, perseguir e prender Assange (com base nas acusações de uma sueca ligada a grupos anti-cubanos, tradicionalmente associados à CIA). Paralelo a isso, o WikiLeaks foi deletado dos servidores da Amazon.com e do Everydns.com por "violação dos termos de uso". E a seguir, as doações financeiras ao WikiLeaks via PayPal foram barradas, primeiro pelo eBay, depois pelas redes transnacionais Mastercard e Visa. E por fim, o banco suíço PostFinance encerrou a conta de Assange, sobre a alegação de que este "mentiu" ao dizer que "morava na Suíça", ao mesmo tempo em que hackers anônimos já haviam intensificado os ataques ao WikiLeaks. Por trás de tamanha coordenação, típica de uma novela de teorias da conspiração, fica difícil enxergar apenas o dedo do governo estadunidense. O que uniria o Império norte-americano aos regimes da União Européia, a bancos suíços e à empresas transnacionais, senão seus laços de interesses comuns (por que não dizer, seus interesses de classe em comum)? A burocracia instalada na direção do "governo mundial" EUA-Europa protege os lucros do poder capitalista transnacional, e este lhe retribui quando preciso. Estado e poder econômico se auxiliam sempre quando e onde seus interesses e posições ideológicas se aproximam, agindo conjuntamente de forma a revelar características do mais sutil e requintado (e portanto mais poderoso) tipo de "ditadura", a saber, aquela que a maioria das pessoas não conseguem perceber como tal. Inventar uma acusação para reprimir e silenciar dissidentes como Assange, simplesmente porque não existem leis contra o que ele faz, é um modus operandi clássico deste tipo "esclarecido" (e muito eficiente) de autoritarismo. Como bem observou o editor internacional da Carta Capital, "o Ocidente (sic) tem dificuldade cada vez maior em conviver com os direitos e garantias em nome dos quais julga ter o dever de impor sua vontade ao resto do mundo."

A segunda consideração diz respeito à forma com que a mídia tem tratado o caso. Buscando sempre oscilar de forma "equilibrada" entre suas tendências contraditórias, a de lucrar vendendo notícias e a de manipular essas mesmas notícias para fazer política, para si e seus aliados, a cobertura da imprensa acerca dos "CableGates" do WikiLeaks tem sido ambivalente. Contrariando muitos dos regimes políticos de seus próprios países (aqueles mesmos que recebem seu apoio para sobreviver, e vice versa), os principais jornais mundiais, beneficiados com o recebimento em primeira mão dos arquivos do WikiLeaks, serão capazes de enfrentar seus próprios governos pelo direito de continuar convertendo os documentos secretos estatais vazados em lucrativas mercadorias, principalmente nestes tempos de crise financeira geral por que passam as grandes publicações impressas. Um exemplo claro disso são os recentes choques entre Estado e mídia na Austrália, onde a primeira-ministra do pais tem sido duramente criticada pela imprensa ao pedir a condenação de Assange. Mas isso não significa que os jornalões estejam dispostos a revelar "os fatos como eles são", de forma que "doa a quem doer".

De fato, conforme demonstra a cobertura dada à imprensa sobre os "CableGates" de Cuba, uma das grandes fragilidades dos relatórios do WikiLeaks tem sido justamente o "crivo" que estes recebem dos grandes jornais antes de chegarem ao conhecimento do grande público. Por simples comodidade, as pessoas preferem ler ou assistir as reportagens do seu jornal ou telenoticiário favorito do que ler a íntegra (em inglês) dos documentos originais do WikiLeaks em um dos inúmeros "espelhos" do site na internet. Isso se puderem lê-los no original, já que há o agravante de que a imensa maioria dos documentos ainda não estão disponíveis nem na página do próprio WikiLeaks, de forma que o grosso das informações permanece em mãos exclusivas do grande cartel da mídia transnacional. Em outras palavras, os "fatos" podem ser novos e até bombásticos, mas eles continuam sendo filtrados pelas mesmas (poucas) mãos de sempre. Os próprios jornais reconhecem que fazem uma "seleção" das informações que recebem do WikiLeaks, descartando o que vêem como "falso", e obviamente "trabalhando" os relatórios para inseri-los em suas manchetes e reportagens - e ninguém é ingênuo de acreditar que, ao fazê-lo, os meios de imprensa não desviam "um pouco" a essência dos informes, sempre de acordo com seus próprios preconceitos e interesses. A grande mídia pode assim se valer da crescente fama do WikiLeaks para intensificar a difusão das suas próprias "visões de mundo" acerca dos governos e de suas relações, dando ênfase ao que for do interesse do poderes econômicos que sempre o apoiaram, e relativizando (ou até mesmo ignorando) o que não for de tais interesses – tudo isso, claro, sem deixar de lucrar com a venda das "verdades" contidas nos "CableGates".

Por último, mas não menos importante, fica mais uma vez demonstrado o potencial que têm as modernas tecnologias de comunicação (em especial a internet), aliadas ao ativismo político consciente e engajado, em subverter radicalmente as velhas e corrompidas estruturas do sistema capitalista globalizado. Embora ainda se expôs muito pouco de tudo que merecemos saber (e tampouco temos garantias de que, algum dia, conheceremos o que há de mais sério nos "cablegates"), o fato é que, pela primeira vez, milhões no mundo inteiro começam a ter acesso aos segredos de governos de todo o planeta, e em especial do "ocidente", totalmente à revelia destes, da mesma forma em que escancaram algumas das principais contradições do Estado moderno, como a de ter de parecer democrático, ao mesmo tempo em que precisa ser anti-democrático. Iniciativas como o WikiLeaks servem portanto como vitais esclarecedores da realidade, ajudando a expor quem são e como agem os verdadeiros inimigos dos povos do mundo.

Fica também uma sugestão no ar: por que não criar uma espécie de WikiLeaks especializado nas ações de grandes empresas, suas manipulações comerciais, sua lavagem de dinheiro do crime organizado e suas doações de campanha a políticos (e a forma como manipulam estes)? Seria extremamente eficaz como revelador das entranhas mais profundas do funcionamento do capitalismo e da materialização do poder de classe capitalista, e sem dúvida faria o maior sucesso, não só nos EUA como também no Brasil.

Cuba e o WikiLeaks

Uma das inúmeras correspondências secretas do governo norte-americano, endereçada a Washington pelo Escritório de Interesses dos EUA em Havana e fornecida pelo site WikiLeaks ao jornal espanhol El País, traz diversas informações a respeito de Cuba.

Em primeiro lugar, salta aos olhos a descoberta do fato de que Anna Ardin, uma das suecas que acusam Julian Assange de estupro, tem ligações com grupos opositores anti-Cuba, que por sua vez se ligam tradicionalmente à CIA e ao Império estadunidense. Estaria assim revelada a conexão entre o governo estadunidense e a prisão de Assange, decretada pelo Judiciário sueco?

Mas há muito mais no WikiLeaks a respeito de Cuba, embora não se possa comprovar a veracidade de quaisquer das informações veiculadas pela organização.

Em primeiro lugar, dizem os escritos da diplomacia estadunidense em Havana que membros do ETA, das FARC e do ELN teriam estado em Cuba nos últimos anos, e que o governo castrista seria "capaz de influenciar" a guerrilha colombiana, embora se reconheça que não houve qualquer "planejamento de ações" por parte desses grupos dentro da ilha ou com o apoio de seu governo. O documento reconhece também a recusa da liderança da Revolução Cubana em permitir que outros países usem seu território para planejar ações "hostis" contra o Império, e admite que não existe em Cuba qualquer tipo de iniciativa "terrorista" anti-EUA, nem por parte do governo nem por parte de quaisquer grupos lá presentes - o curioso é que, mesmo com isso tudo, Cuba continua figurando há décadas na lista do governo estadunidense de "países que apóiam o terrorismo"!

O documento também afirma, na visão dos representantes norte-americanos em Havana, que o governo de Cuba "mantém controle quase total sobre todas as organizações da ilha", que a "corrupção" (notadamente a chamada "pequena corrupção") estaria largamente difundida por conta da delicada situação material do país, e que a Direção de Inteligência cubana é "profissional, capaz e altamente efetiva na penetração em redes na ilha e na perseguição de indivíduos que considerem ser terroristas".


O El País da Espanha distorce as palavras do diplomata estadunidense em sua manchete, ao falar de uma tal "eficácia cubana contra dissidentes", mas não menciona quem são esses "dissidentes", ignorando por exemplo o episódio, relatado no próprio documento, em que um desses "prisioneiros políticos" ameaçou um dos diretores do escritório de interesses dos EUA em Havana, simplesmente por causa da "demora" deste em agir "em favor da sua causa" de "refugiado". Outro jornal, o Miami Herald, dos EUA, deu mais ênfase à existência de "terroristas" em Cuba do que ao fato de que, se são terroristas de fato, não estiveram em Cuba para planejar ou fazer "terrorismo" - e tampouco receberam apoio do governo cubano para tanto.

De fato, conforme demonstra a cobertura dada à imprensa sobre os "CableGates" de Cuba, uma das grandes fragilidades dos relatórios do WikiLeaks tem sido justamente o "crivo" que estes recebem dos grandes jornais antes de chegarem ao conhecimento do grande público. Por simples comodidade, as pessoas preferem ler ou assistir as reportagens do seu jornal ou telenoticiário favorito do que ler a íntegra (em inglês) dos documentos originais do WikiLeaks em um dos inúmeros "espelhos" do site na internet. Em outras palavras, os "fatos" podem ser novos e até bombásticos, mas eles continuam sendo filtrados pelas mesmas mãos de sempre. Os próprios jornais reconhecem que fazem uma "seleção" das informações que recebem do WikiLeaks, descartando o que vêem como "falso", e obviamente "trabalhando" os relatórios para inseri-los em suas manchetes e reportagens - e ninguém é ingênuo de acreditar que, ao fazê-lo, os meios de imprensa não desviam "um pouco" a essência dos informes, sempre de acordo com seus próprios preconceitos e interesses. A grande mídia pode assim usar facilmente o nome do WikiLeaks para intensificar a difusão das suas próprias "visões de mundo" acerca dos governos e de suas relações, dando ênfase ao que for do interesse do poderes econômicos que sempre o apoiaram, e relativizando (ou até mesmo ignorando) o que não for de tais interesses – tudo isso, claro, sem deixar de lucrar com a venda das "verdades" contidas nos "CableGates".

Nota sobre a "guerra do Rio"

(Nota Política do PCB)


Nada de novo no “front” do Rio de Janeiro.

Estimulada por uma mídia burguesa, aliada ao governo do Estado do Rio de Janeiro e a sua política de Segurança Pública, a população brasileira tem a falsa impressão de que a região metropolitana do Rio de Janeiro está prestes a viver novos dias, com uma melhora qualitativa da sensação de segurança.

Foi a busca por tal sensação de segurança que levou a grande maioria dos trabalhadores, além da totalidade dos setores médios e da elite, a parar frente à TV nos últimos dias para assistir a um espetáculo midiático, comparável à invasão do Iraque pelo imperialismo norte-americano. Era como um filme de mocinhos e bandidos, em que a grande maioria torcia avidamente para que as polícias militar e civil e ainda as Forças Armadas, simplesmente eliminassem a vida de varejistas do tráfico de drogas – mesmo que, a custo disso, morressem inocentes, e bairros populares fossem transformados em verdadeiras praças de guerra.

Os últimos acontecimentos vêm confirmar o caráter de ocupação de uma zona de guerra, onde os civis de solo ocupado, pouco, ou nenhum direito tem. Multiplicam-se denuncias ora formais, ora pelos sussurros escondidos pelo medo de moradores que tiveram dinheiros roubados pela policia, ameaças de agressão, desaparecimentos sem explicação nenhuma dos órgãos oficiais. Cenas que parecem reflexos de um Haiti ocupado pela ONU e pelo Brasil, onde uma forte criminalização dos movimentos sociais, e da própria população ocupada, que tem até o direito de ir e vir questionado pelas “autoridades”.

As denuncias ganham espaços de rodapé nos noticiários, que continuam colocando como manchete as glorias de uma policia que ganhou status de “nada consta” em sua corrida folha de crimes e corrupções, de conivência e até favorecimentos a facções criminosas e grupos de milícias.

Num quadro onde o Secretário de Segurança do Estado, Beltrame, cercado por um forte aparato policial e militar, e todas as pompas da mídia visita a área, como legitimo representante de uma força de ocupação, como se tratasse de um território inimigo. Apresentando mais uma vez para a população local, a única face do estado para os trabalhadores, a face da repressão.

Ao PCB preocupa esse fato: estimula-se, entre a população, uma visão fascistóide de mundo, como se “limpezas finais” fossem soluções para qualquer conflito. A História já demonstrou, através de vários exemplos, que tal pensamento deve ser firmemente combatido. Após as últimas ações, ocorridas nesse final de semana no complexo do Alemão, impõem-se algumas afirmações e questionamentos. Crer que os acontecimentos da última semana garantirão a segurança desejada pela população é equivocado; transmitir isso para população - como vêm fazendo os meios de comunicação – é propaganda mentirosa.

Há décadas o tecido social no Rio de Janeiro vem se deteriorando por culpa de interesses capitalistas tanto na organização do território quanto na oferta de serviços e equipamentos públicos para a maioria da população.

Tal fato tende a se agravar: o custo de vida na região metropolitana do Rio cresce exponencialmente desde que a cidade foi escolhida sede das Olimpíadas de 2016, e o exemplo mais nítido disso está no mercado imobiliário. Ter um teto sob o qual morar, no Rio de Janeiro, está cada vez mais caro. Para piorar a situação, a população desta região metropolitana vive com os maiores custos de alimentação e transporte público do país.

Ao mesmo tempo, as políticas de emprego, geração e transferência de renda, educação, saúde, além da oferta de equipamentos esportivos e sócio-culturais são cada vez mais vilipendiadas pela lógica capitalista de ausência e desresponsabilização do Estado.

Não à toa as Oscips no setor de atendimento médico e o desempenho pífio dos estudantes do Estado nos exames do Ministério da Educação, além de fatores de menor repercussão midiática, como a concentração de cinemas e teatros nas áreas mais abastadas da cidade, bem como a ausência de locais para o lazer. Concentram-se nessas áreas do Rio de Janeiro os piores indicadores sociais, os maiores índices de gravidez adolescente, a maior incidência de subemprego, as maiores deficiências de saneamento básico, etc.

Tais fatos foram jogados para debaixo do tapete nas últimas eleições, numa aliança explícita entre os grandes grupos de mídia e o atual grupo político que comanda o Rio de Janeiro. Ao contrário de sua postura quase sempre denuncista e falsamente moralizante, a imprensa burguesa chegou ao ponto de escamotear a existência de trabalho escravo e os claros indícios de enriquecimento ilícito, materializado entre outras coisas em mansões em Angra dos Reis (RJ); fatores que atingiriam politicamente personagens fundamentais desse agrupamento político.

No meio de tudo isso está a atual política de Segurança Pública do Rio de Janeiro. É ela a fiadora de manchetes mentirosas e da ação hegemônica em criminalizar a pobreza entre a população. É a atual política de segurança pública, materializada fundamentalmente nas UPPs, que poderá viabilizar projetos políticos maiores para alguns e o lucro crescente para setores fundamentais da burguesia brasileira e carioca: com a copa do Mundo de 2014 e as olimpíadas de 2016, é preciso garantir uma sensação de segurança mínima para expandir a especulação imobiliária, os serviços de telecomunicações/mídia e os grandes investimentos em infra-estrutura e transporte urbanos, num ciclo propício à corrupção há muito conhecido.

Cabe assim o registro que se segue, publicado pela revista Piauí: as UPPs são um dos maiores “cases” de marketing dos últimos anos. De acordo com a publicação, os “serviços de comunicação e divulgação” da secretaria de segurança do Rio saltaram de R$ 66,9 milhões para R$ 91,7 milhões. Além disso, o secretário José Beltrame já promoveu 138 almoços com “formadores de opinião” desde a posse, e deu 223 entrevistas, sendo que 39 para a imprensa estrangeira, sempre com as UPPs como jóias da pauta.

Assim, é preciso dizer claramente: a atual política de Segurança Pública do Rio de Janeiro é uma farsa, que se presta à expansão dos investimentos privados e a garantia de lucros futuros para grandes grupos do capitalismo internacional e brasileiro.

O controle do território pelo estado – principal ponto da atual política de Segurança Pública e lógica que justifica as UPPS – só vale para algumas localidades, próximas às áreas mais nobres da capital, que servirão como base territorial para a expansão dos investimentos privados e públicos.

Para corroborar nosso ponto de vista, e desmascarar a falácia do atual governador de que todas as comunidades serão “libertadas”, está a mais pura e simples matemática: existem cerca de 1.020 favelas na região metropolitana do Rio de Janeiro. Hoje as UPPs estão em 14 delas, com um contingente de quase quatro mil policiais (10% do efetivo da PM). Não há orçamento neoliberal que garanta pessoal suficiente para ocupar as mais de 1.000 favelas sem UPPs.

Por outro lado, e estranhamente, todas as UPPs foram instaladas em locais comandados por uma única facção criminosa. Para a Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde vivem mais de 50% da população da cidade e local no qual mandam as milícias (criminosos de farda), não há projeto de UPP.

Foram tais fatores que apenas deslocaram o crime organizado para pontos mais distantes da região metropolitana e, em alguns casos, fizeram mudar de mãos o controle de alguns pontos do varejo das drogas, inclusive em comunidades ditas “pacificadas” pelas UPPs. Estas mudanças por vezes se deram através de acordos, por vezes através da disputa de território – com os tiroteios típicos que vitimizam trabalhadores e inocentes. Não é por outro motivo que, em todas as operações policiais para instalar as atuais 14 UPPs, não houve sequer uma dezena de prisões, um quilo de entorpecente ou uma mísera arma de grosso calibre apreendidos. Isso também explica de onde surgiram tantos armamentos e varejistas do tráfico nas imagens veiculadas pela TV desde a última quinta-feira. Armas que, aliás, não foram fabricadas no interior daquela localidade. Chegaram até ali através de uma cadeia que a muitos interessa manter, pois a muitos enriquece: no atacado pela corrupção; no varejo através dos “arregos” pagos a bandidos de farda.

Esta cadeia do tráfico permanece intocada, como bem sabem os moradores de localidades subjugadas pelas milícias. Os grandes traficantes de drogas e contrabandistas de armas, durante estes dias da “guerra do Complexo do Alemão”, estavam incólumes em suas ricas residências nos bairros nobres, assistindo tudo pela televisão para acompanhar os rumos de seus negócios. Provavelmente estes atacadistas já têm seus interlocutores e sócios entre aqueles que que “ocuparão” a Vila Cruzeiro e o Complexo do Alemão.

Ademais, é preciso esclarecer os motivos que justificaram as ações policiais promovidas desde a última quinta-feira: quem de fato promoveu os incêndios de automóveis? Por que tais ações se diferenciaram em muito das promovidas anteriormente pelo tráfico de drogas, inclusive permitindo que os cidadãos se retirassem dos meios de transporte? Por que tais ações se reduziram em muito desde que a ocupação da Vila Cruzeiro virou fato consumado, já que poucos foram os presos até o momento?

Para o PCB, é imperativo o esclarecimento de tais fatos. Que as investigações da polícia e da justiça sejam transparentes e abertas à participação de entidades da sociedade civil.

Por fim o PCB afirma: a culpa pelo atual estado de coisas é do capitalismo, de sua lógica e de seus interesses. Ele é o inimigo a ser combatido e derrotado pelos trabalhadores.

30 de novembro de 2010

Partido Comunista Brasileiro

Secretariado Nacional

Comitê Regional do Rio de Janeiro

sábado, 23 de outubro de 2010

Derrotar Serra nas urnas e depois Dilma nas ruas

(Nota Política do PCB*)

O PCB apresentou, nas eleições de 2010, através da candidatura de Ivan Pinheiro, uma alternativa socialista para o Brasil que rompesse com o consenso burguês, que determina os limites da sociedade capitalista como intransponíveis. As candidaturas do PCO, do PSOL e do PSTU também cumpriram importante papel neste contraponto.

(...) Estamos convencidos de que não serão resolvidos com mais capitalismo os problemas e as carências que os trabalhadores enfrentam, no acesso à terra e a outros direitos essenciais à vida como emprego, educação, saúde, alimentação, moradia, transporte, segurança, cultura e lazer. Pelo contrário, estes problemas se agravam pelo próprio desenvolvimento capitalista, que mercantiliza a vida e se funda na exploração do trabalho. Por isso, nossa clara defesa em prol de uma alternativa socialista.

Mais uma vez, a burguesia conseguiu transformar o segundo turno numa disputa no campo da ordem (...) reduzindo as alternativas a dois estilos de conduzir a gestão do capitalismo no Brasil, um atrelando as demandas populares ao crescimento da economia privada com mais ênfase no mercado; outro, nos mecanismos de regulação estatal a serviço deste mesmo mercado.
Neste sentido, o PCB não participará da campanha de nenhum dos candidatos neste segundo turno e se manterá na oposição, qualquer que seja o resultado do pleito (...) O grande capital monopolista, em todos os seus setores - industrial, comercial, bancário, serviços, agronegócio e outros - dividiu seu apoio entre estas duas candidaturas. Entretanto, a direita política, fortalecida e confiante, até pela opção do atual governo em não combatê-la e com ela conciliar durante todo o mandato, se sente forte o suficiente para buscar uma alternativa de governo diretamente ligado às fileiras de seus fiéis e tradicionais vassalos. Estrategicamente, a direita raciocina também do ponto de vista da América Latina, esperando ter papel decisivo na tentativa de neutralizar o crescimento das experiências populares e anti-imperialistas, materializadas especialmente nos governos da Venezuela, da Bolívia e, principalmente, de Cuba socialista.

[No entanto] as candidaturas de Serra e de Dilma, embora restritas ao campo da ordem burguesa, diferem quanto aos meios e formas de implantação de seus projetos, assim como se inserem de maneira diferente no sistema de dominação imperialista (...) Ou seja, os dois projetos divergem na forma de inserir o capitalismo brasileiro no cenário mundial. Da mesma forma, as estratégias de neutralização dos movimentos populares e sindicais, que interessa aos dois projetos em disputa, diferem quanto à ênfase na cooptação política e financeira ou na repressão e criminalização (...).

Para o PCB, estas diferenças não são suficientes qualitativamente para que possamos empenhar nosso apoio ao governo que se seguirá, da mesma forma que não apoiamos o governo atual e o governo anterior. A candidatura Dilma move-se numa trajetória conservadora, muito mais preocupada em conciliar com o atraso e consolidar seus apoios no campo burguês do que em promover qualquer alteração de rumo favorável às demandas dos trabalhadores e dos movimentos populares.Contra ela, apesar disso, a direita se move animada pela possibilidade de vitória no segundo turno, agitando bandeiras retrógradas, acenando para uma maior submissão aos interesses dos EUA e ameaçando criminalizar ainda mais as lutas sociais.

O principal responsável por este quadro é o próprio governo petista que, por oito anos, não tomou medida alguma para diminuir o poderio da direita na acumulação de capital, e não deu qualquer passo no sentido da democratização dos meios de comunicação, nem de uma reforma política que permitisse uma alteração qualitativa da democracia brasileira em favor do poder de pressão da população e da classe trabalhadora organizada (...).

Considerando essas diferenças no campo do capital e os cenários possíveis de desenvolvimento da luta de classes - mas com a firme decisão de nos mantermos na oposição a qualquer governo que saia deste segundo turno - o PCB orienta seus militantes e amigos ao voto contra Serra.

(...) Chega de ilusão: o Brasil só muda com revolução!

PCB – PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO
COMITÊ CENTRAL
Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2010


* versão resumida. íntegra na fonte www.pcb.org.br

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Brasil é condenado por perseguir o MST*

O Diário Oficial da União publicou, nesta terça-feira (27/9), a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que condena o Brasil ao pagamento de indenizações às vítimas do caso “Escher e outros Vs Brasil”.

A condenação se deve a interceptações telefônicas ilegais realizadas em 1999 contra associações de trabalhadores rurais ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Paraná. O Estado brasileiro foi considerado culpado pela instalação dos grampos, pela divulgação ilegal das gravações e pela impunidade dos responsáveis.

A sentença que condena o Brasil a título de dano imaterial também obriga o país a pagar indenização às vítimas e a investigar a origem das violações.

Segundo Delfino José Becker, uma das vítimas do caso, a sentença evidencia o crescente processo de perseguição promovido contra os trabalhadores rurais e aos movimentos sociais paranaenses desde o governo Jaime Lerner, e é importante mesmo que proferida tardiamente. “As informações publicadas a respeito do MST foram desgastantes em função dessa ilegalidade, e mesmo que a Justiça tenha demorado pra reconhecer seu erro, é importante que ela tenha revisto o caso”, aponta.

A decisão é de agosto do ano passado. A denúncia à OEA foi feita em dezembro de 2000 pelo MST, pela Justiça Global, pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), pela Terra de Direitos e pela Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP).

O caso

Em maio de 1999, o então major Waldir Copetti Neves, oficial da Polícia Militar do Paraná, solicitou à juíza Elisabeth Khater, da comarca de Loanda, no noroeste do estado, autorização para grampear linhas telefônicas de cooperativas de trabalhadores ligadas ao MST. A juíza autorizou a escuta imediatamente, sem qualquer fundamentação, sem notificar o Ministério Público e ignorando o fato de não competir à PM investigação criminal. Durante 49 dias os telefonemas foram gravados. A falta de embasamento legal para determinar a escuta demonstra clara intenção de criminalizar os trabalhadores rurais grampeados.
A Secretaria de Segurança Pública do Paraná convocou uma coletiva de imprensa e distribuiu trechos das gravações editados de maneira tendenciosa. O conteúdo insinuava que integrantes do MST planejavam um atentado à juíza Elisabeth Khater e ao fórum de Loanda. O material foi veiculado em diversos meios de imprensa, o que contribuiu para o processo de criminalização que o MST já vinha sofrendo.

Contexto

O caso aconteceu durante o governo de Jaime Lerner no Paraná, em meio a um processo violento de perseguição aos trabalhadores rurais e aos movimentos sociais paranaenses. Autoridades e ruralistas se uniram em uma campanha que resultou em um aumento dos índices de violência no campo no estado e que, através do uso da máquina do Estado, possibilitou atos de espionagem e criminalização contra trabalhadores organizados. Durante a “Era Lerner”, foram assassinados 16 trabalhadores rurais.

O caso das interceptações telefônicas no Paraná é exemplo emblemático de um processo de criminalização dos movimentos sociais que vem se intensificando a cada dia no Brasil. É notável a articulação feita entre setores conservadores da sociedade civil e do poder público para, através do uso do aparelho do Estado, neutralizar as estratégias de reivindicação e resistência das organizações de trabalhadores.

Em setembro de 2000, o Ministério Público do Paraná, através da promotora, Nayani Kelly Garcia, da comarca de Loanda, emitiu parecer que afirma categoricamente que as ilegalidades no processo do caso das interceptações telefônicas “evidenciam que a diligência não possuía o objetivo de investigar e elucidar a prática de crimes, mas sim monitorar os atos do MST, ou seja, possuía cunho estritamente político, em total desrespeito ao direito constitucional a intimidade, a vida privada e a livre associação”.

A sentença

O Brasil foi condenado a realizar uma investigação completa e imparcial e a reparar integralmente as vítimas pelos danos morais e materiais sofridos em decorrência da divulgação na imprensa das conversas gravadas sem autorização. A Corte Interamericana da OEA considerou que:

1) O Estado violou o direito à vida privada e o direito à honra e à reputação reconhecidos no artigo 11 da Convenção Americana de Direitos Humanos, em prejuízo das vítimas dos grampos;
2) O Estado violou o direito à liberdade de associação reconhecido no artigo 16 da Convenção Americana, em prejuízo das vítimas, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra;
3) O Estado violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial reconhecidos nos artigos 8.1 e 25 da Convenção Americana em prejuízo das vítimas a respeito da ação penal seguida contra o ex-secretário de segurança do Paraná, da falta de investigação dos responsáveis pela primeira divulgação das conversas telefônicas e da falta de motivação da decisão em sede administrativa relativa à conduta funcional da juíza que autorizou a interceptação telefônica.

Na sentença, a Corte Interamericana determinou que o Estado deve:

1) Indenizar as vítimas dentro do prazo de um ano;
2) Como medida de reparação, realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional com o objetivo de reparar violações aos direitos à vida, à integridade e à liberdade pessoais;
3) Investigar os fatos que geraram as violações;
4) Publicar a sentença no Diário Oficial, em outro jornal de ampla circulação nacional e em outro jornal de ampla cirulação no Estado do Paraná, além de em um sítio web da União Federal e do Estado do Paraná. Determinou um prazo de seis meses para os jornais e dois meses para a internet;
5) Restituir as custas dos processos;
6) Apresentar um relatório do cumprimento da sentença no prazo de um ano. A Corte supervisará o cumprimento íntegro da sentença e só dará por concluído o caso quando o Estado cumprir integralmente a sentença.

* Fonte: MST, com informações de agências.

ESPECIAL: Governo Lula, uma análise

Sumário:

A economia no governo Lula.
Crescimento do PIB, um fracasso mascarado.
O Combate à crise mundial.
Política de Crédito: o grande segredo do "lulismo".
O BNDES, reflexo perfeito da política de crédito do governo Lula.
Quem quer dinheiro? A ilusão consumista e a popularidade de Lula.
A dívida externa: viva como sempre, e motivo de "orgulho" ao PT.
Dívida interna e política econômica: mais neoliberalismo.
Recusa à solução e retrocesso social.

Resultados sociais do governo Lula.
O salário mínimo no governo Lula.
O salário médio do trabalho no governo Lula.
O combate ao desemprego.
Distribuição de renda e programas sociais, o maior sucesso de Lula.
O "super-crescimento" da "classe média".

Conclusão

Referências


A economia no governo Lula.

Crescimento do PIB, um fracasso mascarado.

É verdade que, comparado ao pífio desempenho do (des)governo FHC, a economia do Brasil, medida por seu Produto Interno Bruto (PIB), cresceu muito mais na era Lula (ver gráfico abaixo). Mas o suposto "sucesso" petista neste quesito desaparece ao analisarmos o desempenho da economia mundial nos últimos vinte anos (ver tabela mais abaixo). Com FHC, o Brasil cresceu ao ano apenas 2,3% em média, metade da média dos países "em desenvolvimento" no período (4,3%). Já com Lula, o aparente maior crescimento brasileiro mascara o mesmo fracasso do desgoverno tucano. Pois o crescimento médio de 3,6% na era Lula ficou bem abaixo da média do mundo "em desenvolvimento" no período, com média anual de 6,5%. Com Lula, novamente o Brasil cresceu só a metade do mundo "em desenvolvimento". O mesmo fracasso em alavancar o desenvolvimento nacional que o desgoverno tucano, dessa vez no entanto camuflado pela mesma conjuntura mundial favorável que o Brasil sob Lula não soube aproveitar.



Crescimento econômico do Brasil nos governos FHC e Lula. Fonte: IPEA [01]



Crescimento médio anual (%) nos períodos Lula e FHC


Brasil (1)

países "em desenvolvimento" (2)

(1)/(2)

era FHC (1995-02)

2,3

4,3

0,532

era Lula (2003-09

3,6

6,5

0,549

Fontes: IPEA [01] e Fundo Monetário Internacional [02].


O Combate à Crise Mundial.

Em fins de 2008, a falta de controle estatal, a especulação desenfreada e a total irresponsabilidade de "investidores" e instituições financeiras estourou em uma grande crise nos países centrais, gerando uma "bola de neve" de falências, desemprego, redução do consumo e mais falências que, em maior ou menor grau, se espalhou por todo o mundo, inclusive o Brasil.

De acordo com os governistas, o Brasil "saiu ileso" da crise econômica global de 2008-2009, algo que no entanto pouco condiz com os fatos. Apesar de ter gastado mais de R$ 475 bilhões até abril de 2009, principalmente em isenções fiscais, aumento do crédito e "ajuda" a empresas "em dificuldade" [03], e a economia do Brasil encolheu em 2009, no auge da crise global, registrando um péssimo resultado em comparação com outros países. Naquele ano, entre 134 países de todo o mundo, o Brasil ficou em 84º lugar em matéria de desempenho econômico, com uma queda do PIB de 0,19%! O fato é que, diferente do Brasil, os demais países ditos "em desenvolvimento" (a periferia do mundo capitalista), no saldo geral não foram seriamente afetados pela crise, tendo crescido 2,4% naquele ano [02]. Só mesmo comparando o Brasil com os países ditos "desenvolvidos", que foram o epicentro, foco irradiador e vítimas maiores de sua própria crise, é que se pode achar que esta não nos afetou...

E como sempre acontece quando o capitalismo "entra em crise", também no Brasil a "privatização dos ganhos", comum nos tempos de prosperidade, deu lugar à "socialização das perdas" da recessão, de forma que os patrões, como sempre, lograram "passar a conta" desta para os trabalhadores. Só em janeiro de 2009, mais de cem mil postos de trabalho com carteira assinada foram cortados no país [04]! A mineradora Vale, uma ex-estatal roubada do poder público pela mesma privataria tucana contra a qual Lula nada fez, já havia demitido até meados de 2009 cerca de 2000 funcionários [05], mesmo tendo alcançado lucro recorde de R$ 21 bilhões no ano anterior [06]. Caso ainda mais gritante do impacto da crise no Brasil, e da total indiferença do governo com as consequências desta sobre os trabalhadores, foram as demissões da Embraer. Em fevereiro de 2009, a fabricante de aviões anunciou a demissão de nada menos que 4.270 funcionários (20% do seu quadro de empregados!), a maioria operários da linha de montagem, "por causa da crise!" Porém, o fato é que uma parte das dificuldades da crise são de responsabilidade da própria direção da empresa, que acumulou perdas "investindo" em especulação financeira irresponsável, e outra parte é de existência no mínimo questionável. Pois na verdade a Embraer, como muitas das empresas "em dificuldades", na verdade obteve ainda mais lucros para seus diretores e acionistas: no ano passado a empresa dobrou seus lucros, disparando de R$ 428 milhões para R$ 894 milhões, isso em pleno auge da "crise"[07]! O detalhe é que, mesmo sendo altamente lucrativa, a Embraer já vinha desde antes reduzindo drasticamente seu quadro de funcionários [04], o que põe em xeque os argumentos do patronato de que as demissões em massa "são necessárias por causa da crise." Na verdade, como qualquer grande empresa capitalista, a Embraer corta postos de trabalho constantemente, com ou sem crise, a fim de seguir a grande tendência do capitalismo mundial de "redução de custos" e "reestruturação produtiva". Para os donos da Embraer e de muitas outras empresas, a crise nada mais foi do que uma "desculpa" para levar seus eternos planos de "reestruturação" às últimas consequências, como sempre aumentando seus lucros e trazendo mais miséria e sofrimento aos trabalhadores. Porém, triste mesmo foi a atuação do governo frente a todo

esse descalabro. Na época do anúncio das demissões em massa, Lula se disse "indignado" com a súbita e autoritária decisão, tomada pela empresa sem nem sequer conversar com o sindicato; mas logo a seguir, após reunir-se com a direção da Embraer, o ex-operário abaixou a cabeça aos patrões e acatou sem problemas a demissão em massa na ex-estatal [08]....

Política de Crédito: o grande segredo do "lulismo".

A atividade do crédito é um importantíssimo termômetro da saúde econômica das Nações. Quanto mais dinheiro emprestado, mais as pessoas poderão comprar, mais as empresas produzirão e mais empregos serão criados. Diz também o quanto o governo, em grande parte através dos empréstimos de bancos públicos, tem influenciado o quadro geral da economia, além de revelar muito sobre os resultados de programas sociais, como o Minha Casa, Minha Vida. Mas por outro lado, se as pessoas estão pegando muitos empréstimos, isso pode significar que elas vêm ganhando menos do que necessitam pra viver e consumir, gerando um círculo vicioso de consumismo desenfreado e endividamento.

Na era FHC, os créditos estagnaram por conta do "congelamento econômico" promovido pelo Plano Real. O crédito total oferecido à economia em 1999 era quase o mesmo de dez anos antes, e o crédito de bancos públicos virtualmente não existiu por toda a década de 90. Para piorar, medidas neoliberais como a adesão do Brasil ao Acordo de Basiléia (1994), permitiram aos bancos aumentar sua lucratividade emprestando menos e especulando mais [09]. Em resumo, durante o (des)governo FHC, não só os empréstimos para o desenvolvimento econômico rarearam como também o sistema financeiro tornou-se essencialmente parasitário, vivendo basicamente de uma agiotagem desenfreada em torno do serviço da dívida pública (ver mais sobre isso no item dívida).

A situação começou a mudar no governo Lula a partir de 2005, quando o volume de créditos para a economia entrou em um crescimento acelerado. De menos de 24% do PIB em fins de 2004 [10], o volume de créditos saltou a 45,9% do PIB em agosto deste ano [11]. A tabela abaixo demonstra claramente o tamanho expressivo deste crescimento.


crédito fornecido por todo o sistema financeiro*


habitação

rural

pessoa física

indústria e comércio

outros

TOTAL

2002

43

48

149

267

136

644

2008

57

105

387

383

219

1151

2010

116

115

502

483

332

1548


crédito fornecido pelo setor público*


habitação

rural

pessoa física

indústria e comércio

outros

TOTAL

2002

27

32

34

93

47

233

2008

40

58

68

135

94

395

2010

87

65

111

203

187

653

* todos os valores em reais de 2010
Fonte: Banco Central, notas para a imprensa.


Chama a atenção o fato de que o crédito total ofertado à economia mais que dobrou no governo Lula, enquanto o crédito fornecido pelos bancos públicos (especialmente o BNDES e a Caixa Econômica Federal) quase triplicou no período! Destaca-se também, conforme tabelas a seguir, a recente aceleração abrupta nos financiamentos para a habitação, puxados em grande parte pelas mais de 400.000 casas já contratadas para o programa Minha Casa, Minha Vida [12], que representa uma importante ação governamental (talvez inédita no país) de combate ao nosso vergonhoso défcit habitacional.

Porém, por trás desse aparente sucesso, esconde-se o fato de que muito desse crescimento do crédito no país, até o ano da crise mundial (2008) se deveu, novamente, muito mais a uma melhor conjuntura econômica do que à ação do governo. Pois o fato é que (conforme as tabelas acima), até a crise de 2008, o crédito dos bancos públicos pouco cresceu no governo Lula, de forma que o crescimento no crédito foi muito mais puxado pelos bancos e financeiras privados, que por força da conjuntura atual, se tornaram menos parasitários (e mais financiadores do desenvolvimento) do que na era FHC. Dois motivos alheios ao governo levaram a esse crescimento do crédito privado: primeiro, a acentuada queda na taxa de juros SELIC (fixada pelo Banco Central, que é completamente autônomo com relação ao governo), que embora ainda seja uma das maiores do mundo, reduziu-se a ponto de frear a especulação e destravar o crédito (a SELIC despencou sucessivamente de 26% em 2003 a 17% em 2005 e 10,75% em 2010)[01]; e segundo, a necessidade dos bancos de encontrar onde reinvestir seus mega-lucros acumulados por décadas com a agiotagem da dívida (ver mais no item dívida), levando-os a ir além da especulação pura e simples e a diversificar seus negócios oferecendo mais crédito.

A ausência quase total do governo no setor só começou a mudar com a crise mundial de 2008, a mais grave do capitalismo internacional em quase um século. Para tentar impedir o afundamento da economia, o governo Lula se viu obrigado a "abrir a carteira" dos bancos públicos, que a partir daí registraram um crescimento vertiginoso nas suas atividades, puxando o crédito total da economia pra cima e ajudando a atenuar os efeitos da crise no país. Porém, embora tenha sido um movimento importante no sentido de desconstruir o dogma neoliberal do "Estado mínimo", reforçando o papel estatal de condutor e orientador do desenvolvimento, pouco adiantou para impedir o fiasco do Brasil frente à crise (ver combate à crise). Pior, tudo indica que tal movimento de reforço do crédito por parte do Estado seja apenas temporário, uma "medida excepcional" apenas para combater a crise; de fato, à medida que a crise vai se distanciando, voltam a crescer as pressões neoliberais-conservadoras dentro e fora do governo contra o que se considera um "crescimento excessivo e perigoso" do crédito [13][14]. Além do mais, há que se estudar mais a fundo o quanto desse crescimento súbito do crédito público se perdeu nas "operações de socorro" aos lucros das grandes empresas "em dificuldades" por conta da crise (ver novamente em combate à crise); de fato, o comportamento anômalo da oferta de crédito no Brasil, com seu súbito crescimento durante a crise, na verdade não desconstrói o neoliberalismo do governo Lula, mas antes o reforça: Estado mínimo e especulação desenfreada em tempos de "prosperidade", Estado "gigante" e "intervencionista" para salvar os lucros dos capitalistas durante as crises!


crédito ao consumo (em R$ bilhões, corrigidos para reais de 2010)


cartão de crédito

crédito pessoal

cheque especial

aquisição de veículo

TOTAL

2002

22

38

160

22

240

2008

74

82

144

35

335

2010

115

92

153

53

413


crescimento médio anual (%) das modalidades de crédito


crédito total

crédito bancos públicos

crédito para consumo

crédito público p/ pessoa física

crédito total p/ habitação

crédito público p/ habitação

2002-08

10,2

9,2

5,7

12,2

4,8

6,8

2008-10

16

28,6

11

27,8

42,7

47,5

Fonte: Banco Central, notas para a imprensa.


O BNDES, reflexo perfeito da política de crédito do governo Lula.

Um resumo extremamente ilustrativo da evolução e do caráter das políticas de crédito ao longo dos oito anos do governo Lula é dado pela atuação do BNDES [15]. O volume de créditos oferecido pelo principal banco federal de fomento à produção passou por um crescimento importante nos primeiros anos do governo Lula, indo de R$ 25 bilhões em 2002 para R$ 52 bilhões em 2006. Mas foi com a crise mundial que o banco registrou seu grande salto de financiamento, disparando a impressionantes R$ 138 bilhões em 2009! Porém, refletindo o mote do Estado neoliberal de ser "máximo" para os capitalistas e "mínimo" para o povo, o grosso deste salto no financiamento do banco federal, subsidiado com dinheiro dos nossos impostos, ficou concentrado na ajuda a poucos e enormes grupos empresariais, numa clara prioridade estatal ao processo de formação e fortalecimento das chamadas "multinacionais brasileiras", onde além da Petrobrás (uma das poucas empresas públicas neste grupo), se encontram colossos privados como a a Vale, os gigantes das telecomunicações, as grandes empreiteiras da construção civil, grandes empresas de setores como geração de energia, construção naval, siderurgia e o agronegócio, em especial a JBS Friboi, que se tornou a maior do mundo no setor de carnes. Na sua maioria, entre os grandes beneficiados pelo crédito público barato e subsidiado do BNDES estão, portanto, gigantescos monopólios que geram poucos empregos e são basicamente produtores de artigos primários e/ou matérias-primas para a exportação. Assim, se na era FHC o "projeto de desenvolvimento nacional" era de uma "colônia agro-exportadora", no governo Lula a visão de desenvolvimento é quase a mesma, com a exceção de que nossos minérios, agrícolas e produtos básicos são exportados pelas tão gloriosas "multinacionais brasileiras" de Lula! E como se não bastasse a orientação mais que suspeita desta "política pública de crédito" do BNDES, ainda há sérios indícios de que agora, passada a crise, nem mesmo os monopólios continuarão a receber benesses [16], o que só reforça as suspeitas de que a mina de votos do crédito abundante será, passadas as eleições, substituída pela velha "responsabilidade fiscal" que marcou a maior parte do governo Lula.

Quem quer dinheiro? A ilusão consumista e a popularidade de Lula.

Na explosão do crédito registrada após a crise de 2008, há que se destacar o crescimento vertiginoso do crédito à pessoa física para consumo (dinheiro emprestado para as pessoas comprarem mercadorias) e a sua íntima associação com os altíssimos índices de popularidade do governo Lula. Observando as tabelas logo acima, vê-se que o crescimento médio anual de diversas modalidades de crédito para consumo pessoal acelerou bastante após 2008. De 2002-08 a 2008-10, o crescimento médio anual do crédito para consumo acelerou de 5,7% a 11%, o cartão de crédito foi de 22,4% a 24,7%, os empréstimos de bancos públicos para o consumo saltaram de 12,2% a 27,8% e o crédito para compra de veículos disparou de 8% a 23% [17]! O detalhe crucial, que a muitos passou despercebido, é que os índices de aprovação e confiança da população em Lula, medidos pelo Ibope e pelo Datafolha, só alcançaram os atuais valores recordes (mais de 70%) por volta do final do primeiro semestre de 2008, a mesma época da disparada da oferta de crédito para o consumo! Antes disso, Lula tinha índices de aprovação tão ruins quanto o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (em torno de 50% ou até menos) [18]!

Disto conclui-se que um dos principais fatores (senão o principal) do "sucesso" do governo Lula, quiçá da própria consolidação do "lulismo" como força política de massas, é a recente e inédita explosão de uma onda consumista por parte do povo, financiada por empréstimos e mais empréstimos, gerando uma "base de crescimento" econômico instável e potencialmente catastrófica, porque sustentada numa torrente de empréstimos e endividamento sob taxas de juros ainda muito elevadas (atualmente em 10,75%, a taxa básica de juros da economia ainda é de longe a maior do mundo [19]), o que já faz com que mais de que 52% de todas as famílias brasileiras estejam endividadas, percentual que sobe para mais de 60% dentre as famílias da classe média [20]! Com base nesse super-endividamento alimentado pela equação salários-de-fome (ver mais em salário médio) mais crédito abundante, hoje vale como nunca o velho bordão lulista de que "nunca antes neste país" o povo consumiu tanto quanto nos últimos dois anos! Isso produziu junto ao povo uma súbita sensação de riqueza e de melhora no padrão de vida como jamais se viu antes, numa aparência ilusória que constitui o lado mais perverso dos oito anos de opção reformista do PT. Pois o fato é que, fazendo-se o povo consumir mais e mais supérfluos, se camufla a triste realidade das coisas essenciais à vida! Esconde-se mais facilmente, pela ilusão consumista, que o governo Lula pouco fez contra o desemprego, a exploração, os baixos salários e os altos lucros dos capitalistas, e pior, serviu para esconder até mesmo os retrocessos do governo Lula que mais ameaçam nosso futuro, como os ocorridos em educação e saúde (ver retrocesso social).

A dívida externa: viva como sempre, e motivo de "orgulho" ao PT.

Quando se fala da dívida externa no governo Lula, a primeira idéia que se vem à cabeça é o bordão governista, amplamente difundido pela mídia, de que o governo do PT "acabou com a dívida". Apenas uma ínfima parcela disso é verdade, mais especificamente, a parcela da nossa dívida externa devida diretamente ao FMI. O restante da dívida, devida a bancos e governos do mundo inteiro, na verdade sua imensa maioria, segue intocada. Inclusive esta voltou a crescer nos últimos anos, alcançando em junho a marca de 225 bilhões de dólares [01]! Pior, se contarmos também a dívida privada (que a exemplo do que ocorreu no passado, pode voltar a ser convertida em mais dívida pública), o montante que devemos ao exterior passa dos 300 bilhões de dólares [01]! Para pagar essa dívida e(x)terna, drena-se todo ano, às dezenas de bilhões de dólares, grande parte do suor do trabalho do nosso povo, canalizados para abastecer a sede insaciável dos mega-especuladores internacionais, através dos sucessivos resultados positivos das exportações registrados no governo Lula.

Quando se fala, aliás, na relação Lula e FMI, há de se lembrar que os petistas, hoje, se vangloriam do fato de que, sob Lula, o governo hoje empresta dinheiro ao FMI. É espantoso vê-los se orgulhar com isso, já que há muito de questionável no valor desta prática. Como podem se agradar em ver um país pobre, com graves problemas sociais que nem o Brasil, emprestando dinheiro para que os grandes agiotas do mercado internacional continuem impondo arbitrariamente, sobre outros países pobres, os mesmos planos maléficos de ingerência, estagnação e miséria que por tanto tempo foram o flagelo do nosso povo? Como pode alguém se orgulhar de ver essa mesma política neoliberal ser proliferada mundo afora, às custas do nosso dinheiro e patrocinada pelo mesmo PT que, como oposição, criticou-a asperamente? Nada mais coerente, afinal, mesmo com o fim da dívida junto ao FMI, a ingerência deste em nosso país continua, desta vez por uma irresponsável opção conservadora do governo do PT! Mesmo sem imposição externa, o governo continua seguindo à risca aquela mesma política econômica neoliberal inaugurada por FHC (basicamente de "serviço à dívida", e não ao povo e ao desenvolvimento), para piorar aprofundando-a sob diversos aspectos (ver a seguir em dívida interna).

Dívida interna e política econômica: mais neoliberalismo.

Muito pior que a dívida externa, só mesmo a interna, que na prática não existia antes da era FHC, e a despeito da (ou seria por causa da?) "responsabilidade fiscal" reinante deste então e até os dias atuais, a dívida interna aumentou quase 10 vezes no desgoverno tucano e mais que dobrou no governo Lula [21]! Atualmente, a dívida interna do setor público no Brasil já chega a 1,5 trilhão de reais [22]! Mesmo crescendo nesse ritmo, o chamado "serviço da dívida" já drenou dos cofres públicos quase R$ 4 bilhões desde 1992 (em reais de 2010) [23], um verdadeiro "bolsa banqueiro" pago pesadamente às nossas custas! Só em 2009, o governo Lula comprometeu R$ 370 bilhões dos nossos impostos (ou 35,57% do orçamento do Estado!) com os agiotas e "mega-investidores" nacionais. Naquele ano, como de costume por todo o governo Lula, o "bolsa banqueiro" bateu de longe os gastos com educação (2,88%), saúde (4,64%) e até os da tão dita "super deficitária" previdência (25,9%) [21]. Só assim pra entender como os grandes bancos conseguiram registrar no primeiro semestre de 2009, em pleno auge da crise, lucro recorde de R$ 14 bilhões [24]!

Vê-se, pelo descalabros dos números, que a dívida pública é, sem sombra de dúvida, o grande entrave ao desenvolvimento econômico e social do Brasil, uma chaga que representa de longe o maior sangradouro nacional de recursos públicos, maior até do que a corrupção; a maldição da dívida é o grande motivo pelo qual sempre "falta dinheiro" para tudo que o governo faz; é o grande motivo da nossa elevada carga tributária e a razão secreta pela qual tais impostos não se revertem em resultados para o país. E o que o governo Lula fez para combater este gravíssimo problema? Apropriou-se da máxima do desgoverno neoliberal de FHC, "aos banqueiros tudo, ao povo migalhas", e a levou adiante com ainda mais esmero!

Recusa à solução e retrocesso social.

O fato mais escandaloso com relação à nossa dívida, que poucas pessoas conhecem, é que existe uma solução relativamente simples ao problema, solução que vai muito além do "calote" puro e simples. Ainda que prevista na Constituição de 1988, a jamais realizada auditoria das contas da dívida pública é vital para precisar quanto o governo deve realmente aos banqueiros e especuladores; se fosse realizada, conforme obriga a lei, a auditoria levaria ao cancelamento de grande parte da nossa dívida. Exemplo disso foi dado pelo governo de Getúlio Vargas, que após realizar uma auditoria da dívida externa em 1932, conseguiu cancelar junto ao governo da Inglaterra mais da metade de tudo que pagávamos como "dívida", simplesmente por esta não existir e/ou ter sido contraído de forma ilegal [25]. E a exemplo daquele tempo, há hoje sérios indícios de fraudes e ilegalidades acerca da dívida, como ficou evidente em episódios grotescos como o ocorrido em setembro de 2001, quando o Banco Central detectou, por simples acaso, um "erro" no valor da dívida externa que a inchava em 32,7 bilhões de dólares [26]! Além de tais "erros", é de se questionar se "caloteiros" não são os que nos impuseram uma dívida bancada em grande parte por um governo ilegítimo (a ditadura civil-militar de 1964-85), a seguir super-inflada nas últimas décadas por juros fixados arbitrária e unilateralmente pelos próprios credores!

Apesar de haver motivos suficientes para uma suspensão imediata do pagamento da dívida para a posterior realização de sua auditoria, o governo Lula preferiu seguir na contramão de todo princípio ético e de justiça social, pagando como um "bom menino", por todo o seu governo, cada centavo desta dívida injusta e ilegal. Pior, conforme a tabela abaixo, conseguiu engordar o "bolsa banqueiro" ainda mais do que o desgoverno tucano! A cada real arrecadado dos nossos impostos, FHC gastou 21 centavos com os banqueiros, enquanto Lula, pasmem, gastou 30 centavos! Mas o pior de tudo, que atesta em termos de retrocessos sociais, todo o custo da "responsabilidade" em "honrar nossos compromissos" com a dívida, é que até mesmo o desgoverno FHC conseguiu investir mais em educação e saúde do que Lula, com 11 centavos por real dos nossos impostos indo para estas áreas, contra apenas oito do governo petista! Tudo isso vindo de um governo que se diz dos trabalhadores, mas que no entanto, conseguiu investir menos em educação e saúde do que um governo de direita! É certo que FHC preparou uma "arapuca" ao governo que o seguiu, "rolando" para um futuro próximo parcelas de uma dívida que têm vencido nos dias atuais, mas isso não tira o fato que Lula aceitou continuar pagando a dívida (e o fez sendo mais realista do que o próprio rei!), quando lhe bastaria aplicar a lei da auditoria para resolver o problema!


gastos com dívida, educação e saúde: governos FHC e Lula*


gasto c/ dívida (bilhões R$)

total arrecadado no governo inteiro (R$ bi)

gastos com educação e saúde (bi R$)

% do orçamento perdido com dívida

% do orçam. p/ educação, saúde

governo FHC

1.250

5.832

636,8

21,4

10,9

governo Lula

1.882

6.171

476

30,5

7,7

* obs: valores monetários em reais de 2010
Fonte: Tesouro Nacional [23].


A face mais absurda de todo o problema da dívida interna é que os juros desta (responsáveis por grande parte dos gastos anuais do governo com a dívida, e que fazem-na crescer constantemente numa "bola de neve" impagável), são fixados em patamares altíssimos [19] pelo próprio poder público, através da taxa SELIC do Banco Central (BC). Mas quem, afinal, tem controle sobre o Banco Central? Não é o governo, mas sim o próprio mercado (ou seja, os credores), que tem total poder sobre o órgão central de regulação das finanças do país desde que FHC instituiu a "autonomia" do BC... É literalmente a raposa cuidando do galinheiro! E o que Lula fez contra esta situação absurda? Novamente, nada...!

Com tantos privilégios dados aos banqueiros e grandes capitalistas, fica difícil sobrar algo dos nossos próprios impostos para nós mesmos. É aí que vemos como o governo Lula consegue, em termos econômicos e sociais, rivalizar com alguns dos piores retrocessos do desgoverno FHC. Nada mais coerente, afinal, Lula em nada mudou a velha política econômica neoliberal demo-tucana, o código economicista de "metas de inflação, 'autonomia' do Banco Central, câmbio flutuante e superávit primário", que traduzido ao português, significa "Estado máximo aos grandes capitalistas, e mínimo para os trabalhadores"! Esta foi a política econômica do governo Lula: a mesma política econômica neoliberal de FHC, que Lula e o PT tanto combateram enquanto oposição, aprofundada ainda mais pelo governo desse partido "dos trabalhadores".



Resultados sociais do governo Lula.


O salário mínimo no governo Lula.

Quando se fala dos salários no governo Lula, a primeira coisa que se vem em mente é a evolução do salário mínimo no governo petista, que de acordo com o gráfico a seguir, foi muito maior do que na era FHC. Apesar de aumentar o salário mínimo abaixo da inflação duas vezes no seu governo, Lula conseguiu no todo sustentar um maior crescimento médio anual do salário mínimo do que seu antecessor (6,9% contra 1,98% de FHC); Lula também realizou um crescimento real do salário mínimo acima do crescimento do PIB, ao contrário do crescimento abaixo do PIB registrado no governo tucano. Como reflexo deste importante crescimento real no salário mínimo, Lula foi capaz de aproximar muito mais o salário mínimo do valor ideal, medido pelo salário mínimo necessário calculado pelo DIEESE [27] . No entanto, o atual salário mínimo no Brasil, de R$ 510, continua distante de um valor digno à vida humana, representando atualmente apenas um quarto do valor necessário do DIEESE, de R$ 2023,89.



¹ Fonte: IPEA
² Nominal menos a inflação, medida pelo IGP-M da FGV


O salário médio do trabalho no governo Lula.

No entanto, se observando por baixo, é verdade que, no governo Lula houve um crescimento real do salário mínimo muito maior do que na era FHC, ao observar-se pelo meio, em contrapartida, o rendimento médio real dos assalariados nas principais capitais não se alterou no governo Lula, indo, de acordo com o SEADE [28], de R$ 1.314 em 2002 para R$ 1.319 em 2009! Isso apesar da economia brasileira ter crescido 27,7% no acumulado do período! Tal resultado negativo, que abrange uma parcela da população muito maior do que a que recebe salário mínimo, mostra que o governo Lula foi incapaz de alterar a face mais perversa do "desenvolvimento capitalista": a de que o bolo do crescimento econômico, quando há, fica apenas para os ricos e os grandes capitalistas. Tal fato pode ser melhor visualizado na tabela a seguir, onde os anos em que os rendimentos médios do trabalho, mesmo que já excessivamente rebaixados, só raras vezes cresceram acima do PIB.


ANO

Crescimento do PIB (%)

Crescimento da renda média (%)

IBGE

Ocupados¹

Assalariados¹

1998

0,04




1999

0,25


-4,8

-3,5

2000

4,31


-4,7

-5,7

2001

1,31


-6,0

-4,5

2002

2,66


-5,4

-4,9

2003

1,15

-10,8

-8,5

-7,4

2004

5,71

0,2

0,7

1,4

2005

3,16

2,4

0,0

0,2

2006

3,96

4,4

2,7

1,8

2007

6,09

3,6

1,2

1,0

2008

5,14

3,9

2,8

1,9

2009

-0,19

2,3

1,4

1,1

¹ de acordo com os critérios do SEADE [28]
Anos de crescimento da renda acima do PIB grifados em negrito.


No saldo, mesmo com o péssimo resultado geral dos salários no governo petista, a popularidade de Lula salvou-se pelo crescimento sem precedentes no crédito ao consumo, em especial no fim do seu governo (ver crédito). No entanto, um crescimento no padrão de vida material que não se sustenta pela renda própria, além de conduzir o endividamento das pessoas a níveis perigosos para a estabilidade econômica [20], tem levado a uma sensação ilusória de falsa prosperidade pelo consumismo que, em última análise, só serve para mascarar muitos dos péssimos resultados sociais do governo Lula, como a redução nos investimentos em educação e saúde a níveis inferiores até ao do desgoverno FHC (ver dívida e retrocesso social).

Com todos esses números, só mesmo um aumento exponencial no crédito para o consumo, como registrado no governo Lula, poderia manter o consumo, a economia e a popularidade do presidente em alta. Mas com os salários em baixa e o crédito em alta, até quando iremos antes que estoure a bolha do super-endividamento?

O combate ao desemprego.

Diz-se também que, com Lula, os empregos dispararam "a níveis jamais vistos". Nada mais falso. Apesar do aumento no número de empregos com carteira assinada, o quadro do emprego total no Brasil continua sombrio. De acordo com o SEADE, o desemprego médio anual total das principais capitais atingiu o absurdo valor de 16,99% de 2003 a 2009, apenas um pouco melhor do que a horrorosa média de 19,2% do segundo mandato de FHC [29]. Contra esses números, os governistas protestam dizendo que, para outro órgão de pesquisa (o IBGE), o desemprego apresentou taxas muito menores do que as do SEADE. No entanto, diferente do IBGE, o SEADE considera em seus estudos o chamado desemprego oculto (desocupação pelo trabalho precário e desalento), representando portanto um quadro muito mais realista da situação do emprego do que o do IBGE. Ainda assim, os lulistas enchem a boca pra dizer que, em julho deste ano, o desemprego atingiu a menor média da série histórica do IBGE. Pra entender a piada, porém, é preciso lembrar que a série histórica do IBGE, não por coincidência um órgão do governo federal, começa em 2002, já às portas do primeiro mandato de Lula. Que bom que só agora, no fim do seu segundo mandato e às vésperas das eleições, que Lula conseguiu registrar o menor desemprego do seu próprio governo!

Isso sem contar que, mesmo esse "menor desemprego da série histórica" pode ser ilusório, pois este ano o Brasil vem registrando um crescimento econômico muito acima do normal, tipicamente restrito a épocas de imediato pós-crise, como a que vivemos em 2008-09 (ver combate à crise).

Um detalhe importante nisso tudo é que o desemprego continuou alto no governo Lula, apesar do maior crescimento econômico registrado no período. Isso demonstra que a solução ao problema do desemprego no Brasil não passa mais, pura e simplesmente, pela busca de um "maior crescimento"; faz-se necessária, mais do que nunca, a redução da jornada de trabalho sem redução salarial, ainda mais se levarmos em conta que a atual jornada de trabalho no Brasil (de 44 horas) é uma das maiores do mundo[30]. Os principais sindicatos do Brasil já levantam essa bandeira há vários anos, apontando estudos que demonstram o grande potencial que tal medida tem para gerar mais empregos e melhorar a qualidade do trabalho [31]. No entanto, passados oito anos de governo "dos trabalhadores", nada de redução da jornada de trabalho, o que nos leva a crer que o "país de todos" de Lula é, como sempre, muito mais dos patrões do que dos trabalhadores...

Distribuição de renda e programas sociais, o maior sucesso de Lula.

É na distribuição de renda nacional, medida pelo coeficiente Gini de desigualdade, que se observa o maior sucesso do governo Lula. Durante os oito anos do governo FHC, o índice Gini de desigualdade reduziu 12 milésimos no Brasil, indo de 0,604 para 0,589. Porém, nos sete primeiros anos do governo Lula, esse índice reduziu 40 milésimos, indo de 0,589 para 0,543 [01]! Mesmo considerando o crescimento econômico maior no seu período, Lula conseguiu diminuir a desigualdade num ritmo muito mais acelerado do que FHC. Contribuíram para isto os aumentos reais no salário mínimo e, principalmente, os programas assistencialistas do governo Lula, como o Bolsa Família, criado pelo governo tucano e expandido enormemente por Lula, até o ponto de que hoje, 50,4 milhões de pessoas (26% da população) são beneficiadas por repasses de R$ 22 a R$ 200, totalizando somente no primeiro semestre de 2010, gastos de R$ 6 bilhões com o programa [32]. No todo, os fundos para assistência social triplicaram do final do governo FHC até o final da era Lula, alcançando a marca de R$ 33 bilhões em 2009 [23]. Mesmo sendo pouquíssimo comparado com os R$ 370 bilhões torrados com o "bolsa-banqueiro" no mesmo ano (ver em dívida interna e política econômica), o montante tem sido capaz de reduzir a pobreza extrema no Brasil, tornando os mais pobres, no entanto, cada vez mais dependentes de programas puramente assistencialistas que só lhes aliviam a miséria e não lhes garantem o futuro, o que no entanto, diante dos votos que proporcionam a qualquer político, parece ser pouco importante tanto à oposição de direita (que criou o programa e prometeu ampliá-lo) quanto ao governo Lula (que o expandiu). Além do mais, o fato dos os salários médios da totalidade dos trabalhadores no Brasil terem se mantido estagnados no governo Lula (ver salário médio) não só reforça a dependência das pessoas para com o assistencialismo puro e simples como também leva a se identificar outras razões para as recentes altas recordes nos índices de popularidade de Lula (ver crédito) que não o "bolsa-esmola".

Não obstante, há muito que se criticar com respeito a "via assistencialista" como caminho para a redução da desigualdade no Brasil. A redução da pobreza extrema não pode mascarar a total renúncia ao enfrentamente das raízes das disparidades sociais. O caráter imediatista e pouco emancipador das atuais políticas públicas, a continuidade das privatizações (estendidas a rodovias, ferrovias, o nosso petróleo, o pré-sal, etc.), a prioridade aos interesses de banqueiros e grandes capitalistas em detrimento aos investimentos sociais (ver dívida e retrocesso social); a priorização ao agronegócio e os retrocessos na realização da tão prometida reforma agrária (com o próprio MST realizou menos assentamentos da reforma agrária do que o próprio desgoverno FHC [32a]), são sinais mais do que claros de que não se confrontaram os eixos centrais de um nefasto e excludente modelo econômico.

Além disso, mesmo com a melhora significativa do nível de igualitarismo no Brasil sob Lula, ainda estamos longe de uma situação de distribuição de renda minimamente justa. No Brasil, os 10% mais ricos da população ainda ganham 51 vezes mais do que os 10% mais pobres, enquanto no Uruguai este índice fica em 18 vezes, e na Noruega, em apenas 6 vezes [33]. Também o ritmo da diminuição da desigualdade no Brasil, a despeito de todo o "sucesso" que se atribua a este, segue muito lento: no ritmo atual, levará 41 anos para o Brasil atingir o mesmo grau de igualitarismo da União Européia [34]. São indícios claros de que não será o assistencialismo, mas somente o combate às raízes mais profundas do problema da concentração e distribuição de renda, que poderá resolver de vez a desgraça da desigualdade no Brasil. Porém, isso só se realizará com o enfrentamento aos grandes capitalistas e burgueses que se privilegiam do nosso excludente modelo social, algo totalmente incompatível com as pretensões "conciliatórias" do país "de todos" sonhado por Lula.

O "super-crescimento" da "classe média".

Talvez o mais escandaloso dos mitos, este não se sustenta nem ao estudo dos próprios critérios de definição de "classe média" apresentado pelos petistas. De acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), responsável pelos estudos do "crescimento vertiginoso" da classe média, entende-se como pertencentes à tecnicamente chamada "classe C" aquelas famílias com rendimento mensal entre R$ 1126 e R$ 4854 [35]. Ora, levando-se em conta o número médio de 2,7 indivíduos por família no Brasil (considerando-se, de forma bem otimista, o ritmo de diminuição da família média brasileira registrado pelo IBGE nos últimos anos [36]), vê-se que a "classe média" da FGV e de Lula tem renda mensal por indivíduo familiar entre R$ 417 e R$ 1798! Um piso bem abaixo do atual salário mínimo (R$ 510) e um teto também abaixo do salário mínimo necessário a uma vida digna de R$ 2023,89 do DIEESE [27]! Ora, pergunta-se então, que classe média é essa que tem salário de pobreza, e muitas vezes das mais extremas? Enquanto esta "classe média" (na verdade, classe pobre) representa hoje pouco mais de 50% da população, a verdadeira classe média (a B, com rendimento de R$ 1798 a R$ 2344 por indivíduo na família) fica na "impressionante" cifra de menos de 10% da população. Já as classes D e E (os miseráveis extremos) são quase 40% da população [35]!

Disto conclui-se que, apesar da queda acentuada no número de pobres extremos no Brasil nos últimos anos, o quadro está muito longe de ser a "maravilha" pintada pelo governo Lula e pela grande mídia, considerada por alguns de "golpista".


Conclusão.

Para aqueles que por tanto tempo sonharam com um Brasil diferente, livre da exploração e dos desmandos dos poderosos que sempre nos governaram, a "vitória da esperança sobre o medo" concretizada com a eleição do ex-operário Luís Inácio Lula da Silva à Presidência da República em 2002 trouxe resultados ambíguos e contraditórios. Se, por um lado, os oito anos de governo do Partido dos Trabalhadores presenciaram certas melhoras imediatas notáveis na vida do nosso povo, em especial na redução considerável da desigualdade e da pobreza extrema, graças a uma combinação de conjuntura econômica mundial favorável com vigorosas políticas de valorização do salário mínimo e de assistencialismo, por outro lado a persistência de diversos problemas estruturais, em especial a total recusa de desconstruir quaisquer dos retrocessos neoliberais dos governos anteriores, fez com que pouco ou nada se realizasse no governo Lula para combater as raízes dos nossos problemas sociais, o que levou a diversos resultados econômicos e sociais negativos, e inclusive produziu retrocessos inaceitáveis a qualquer governo "dos trabalhadores".

No geral, a manutenção dos pilares da política econômica neoliberal de FHC, o desperdício recorde dos recursos públicos com os gastos da ilegítima, ilegal e impagável dívida pública, em níveis muito superiores até ao do desgoverno tucano, a recusa em reverter todo o desmonte do Estado brasileiro realizado pelo PSDB (pelo contrário, aprofundando tal desmonte com mais privatizações e "reformas", como a universitária e da previdência), a perda de autonomia da classe trabalhadora, através do aparelhamento dos seus sindicatos em prol de um governo que frequentemente ficou do lado dos patrões (como ficou escancarado durante a crise), a não-realização da tão prometida reforma agrária (que teve resultados mais pífios do que no próprio governo FHC), tudo isso levou a diversos resultados sociais negativos, como o alto desemprego, a estagnação dos salários gerais, a violência urbana que pouco se alterou e, o que é pior, o retrocesso evidenciado na redução de investimentos públicos essenciais, como de educação e saúde, que no governo Lula receberam menos investimentos do que o já terrível governo FHC!

Ao povo brasileiro como um todo, que não viu quaisquer melhorias em diversos aspectos cruciais na sua vida (quando não retrocessos!), restou como alento um crescimento no crédito popular para o consumo sem precedentes na História brasileira, cujo explosão, em 2008, não por coincidência ocorreu paralelamente às altas na popularidade de Lula que o elevaram, de um presidente "regular" na maior parte do seu mandato, até os patamares atuais de "fenômeno de popularidade", uma "quase unanimidade" inédita na nossa história. A "súbita sensação de riqueza" proporcionada por um salto no consumista jamais visto no Brasil foi vital para mascarar a fraquíssima atuação do governo em inúmeras áreas prioritárias ao bem estar e à vida, o que no futuro não apenas tende a aumentar o endividamento de todas as classes sociais até níveis potencialmente catastróficos, como também descreve com precisão a "herança maldita" do fim do governo Lula: um povo que se vê em um "presente próspero", comprando carros, celulares e televisores de plasma, mas que mal sabe ler, morre nas filas do SUS e que, com tudo isso, sem saber vai condenando o seu próprio futuro...

À luz de todos estes resultados, e por toda a esperança que se teve com a inédita e inebriante vitória de um "partido dos trabalhadores" nas eleições presidenciais de 2002, o veredito da história acerca da era Lula não podia ter sido mais duro: uma gigantesca desilusão!

Para entendermos como isto foi possível, é preciso ver que, por trás dos princípios político-ideológicos que produziram tais resultados, houve no governo Lula uma clara opção pela recusa às posições históricas mais marcantes do PT, na verdade uma guinada de 180 graus: recusa à um projeto de cunho socialista em prol de outro de manutenção e expansão do que há de mais atual (e selvagem) no mundo em termos de capitalismo (o neoliberalismo); recusa à sua postura classista (isto é, de posicionamento ao lado dos trabalhadores e contra seu adversário de classe) em prol de um tanto suspeito projeto de "um país de todos" que inclui também, e acima de "todos" os demais, os patrões, os grandes banqueiros e capitalistas; e acima de tudo, o que engloba e condensa os demais pontos, recusa à sua anterior busca pela construção de uma alternativa não-capitalista ao Brasil, em favor de uma ideologia reformista, que visa não mais superar o capitalismo, mas sim "humanizá-lo", nem que para isso seja preciso "alavancar" este nosso incipiente capitalismo às custas do povo trabalhador...

Aos que ainda acreditam, no entanto, que o governo Lula apenas "recuou" (ou se viu forçado a "ceder") nas suas posições por conta do tão falado problema da "governabilidade" em um Congresso em grande parte controlado por partidos de direita e conservadores, é preciso lembrar que a História está repleta de exemplos de que, quando se quer tentar, sempre há opções. Para ficar num exemplo vizinho e atual, basta ver que presidentes progressitas muito mais avançados, como Hugo Chávez na Venezuela e Evo Morales na Bolívia, iniciaram seus governos sem poderem contar com um único deputado sequer, tendo que lidar com Congressos cem por cento dominados pelos conservadores, e mesmo assim foram capazes de ir muito além do governo do PT, pois buscaram a sua "governabilidade" no povo, e não em corruptos congressos burgueses!

No fim das contas, apesar de todo o desvio (e por que não dizer, traição histórica) do PT, ainda há esperança capaz de enfrentar a mudança que nosso país realmente precisa. Não é certamente a "esperança" dos partidos e políticos da velha direita tradicional, centrados novamente na liderança do PSDB, cuja vitória nas urnas este ano certamente traria perdas muito maiores ao país e ao nosso povo do que um eventual novo governo petista. Nem significa, ao contrário, que só nos resta "engolir" novamente o "capitalismo enfeitado" do PT "por pura falta de opção." Não temos de nos resignar em escolher eternamente entre o pouco e o nada, mesmo que a opção para tanto, a saber a longa e penosa tarefa de reorganizar a alternativa política dos partidos da esquerda socialista, não tenha possa nos render frutos imediatos. Contra o pouco e o nada, urge que comecemos desde já a construir a alternativa do futuro.


Referências:

[01] http://ipeadata.gov.br/
[02] http://www.imf.org/external/datamapper/index.php
[03] http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/04/090402_medidas_crise_fa.shtml
[04] http://www.abin.gov.br/modules/articles/article.php?id=3968
[05] http://www.administradores.com.br/informe-se/informativo/demissoes-da-vale-desde-a-crise-ja-somam-cerca-de-2-mil/24273/
[06] http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u506862.shtml
[07] http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL1535755-9356,00.html
[08] http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL1018052-9356,00-EMBRAER+DIZ+A+LULA+QUE+CORTOU+DOS+FUNCIONARIOS+POR+CRISE+INTERNACIONAL.html
[09] http://www.ipea.gov.br/pub/td/td_2001/td_808.pdf
[10] http://www.febraban.org.br/Arquivo/Destaques/RELATORIOFEBRABANEvolucaodoCredito112007.pdf
[11] http://www.bcb.gov.br/pec/boletim/banual2007/rel2007cap2p.pdf
[12] http://g1.globo.com/economia-e-negocios/noticia/2010/04/minha-casa-atinge-408-da-meta-de-1-milhao-de-casas.html
[13] http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4406270-EI6579,00-Julio+contra+superaquecimento+BC+deveria+reduzir+credito.html
[14] http://zerohora.clicrbs.com.br/especial/rs/zhdinheiro/19,0,2819552,Para-reduzir-credito-BC-aumenta-taxa-do-deposito-compulsorio-de-bancos.html
[15] http://correiodobrasil.com.br/bndes-politica-industrial-e-outras-heresias-desenvolvimentistas/175804/
[16] http://portalexame.abril.com.br/economia/brasil/noticias/bndes-negocia-aporte-tesouro-2011-595569.html
[17] http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOM
[18] http://noticias.uol.com.br/politica/pesquisas/
[19] http://economia.ig.com.br/brasil+dispara+na+lista+dos+maiores+juros+do+mundo/n1237657822122.html

[20] http://br.finance.yahoo.com/noticias/No-vermelho-52-dos-inmoney-241750749.html?x=0
[21] http://www.divida-auditoriacidada.org.br/
[22] http://www.atarde.com.br/economia/noticia.jsf?id=5608471
[23] http://www.stn.fazenda.gov.br/
[24] http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/politica-economica-de-lula-garante-lucros-aos-bancos
[25] http://www.divida-auditoriacidada.org.br/config/artigo.2008-12-04.9272855712/document_view
[26] http://www.divida-auditoriacidada.org.br/documentos/news_item.2006-11-09.2976978445/view?searchterm=d%C3%ADvida%20fhc
[27] http://www.dieese.org.br/rel/rac/salminMenu09-05.xml
[28] http://www.seade.gov.br/produtos/ped/metropolitana/anual/html/tab10.htm
[29] http://www.seade.gov.br/produtos/ped/metropolitana/anual/html/tab03.htm
[30] http://meusalario.uol.com.br/main/trabalhomais/compare-a-jornada-de-trabalho-do-brasil-com-as-de-outros-paises
[31] http://inverta.org/jornal/edicao-impressa/422/economia/trabalho
[32] http://contasabertas.uol.com.br/WebSite/Noticias/DetalheNoticias.aspx?Id=199
[32a] http://www.direitoshumanos.etc.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3800:reforma-agraria-regrediu-no-governo-lula-diz-stedile&catid=20:terra&Itemid=176
[33] http://hdr.undp.org/en/statistics/
[34] https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2172rank.html?countryName=Brazil&countryCode=br&regionCode=sa&rank=10#br
[35] http://www.fgv.br/cps/ncm