sábado, 25 de setembro de 2010

Crédito: o grande segredo da popularidade de Lula

A atividade do crédito é um importantíssimo termômetro da saúde econômica das Nações. Quanto mais dinheiro emprestado, mais as pessoas poderão comprar, mais as empresas produzirão e mais empregos serão criados. Diz também o quanto o governo, em grande parte através dos empréstimos de bancos públicos, tem contribuído para o quadro geral da economia, além de revelar muito sobre os resultados de programas de assistência à moradia como o Minha Casa, Minha Vida. Mas por outro lado, se as pessoas estão pegando muitos empréstimos, isso pode significar que elas vêm ganhando menos do que necessitam pra viver e consumir, gerando um círculo vicioso de consumismo desenfreado e endividamento.

O Crédito no Governo FHC: estagnação e especulação.

Na era FHC, os créditos estagnaram por conta do "congelamento econômico" promovido pelo Plano Real. O crédito total oferecido à economia em 1999 era quase o mesmo de dez anos antes, e o crédito de bancos públicos virtualmente não existiu por toda a década de 90. Para piorar, medidas neoliberais como a adesão do Brasil ao Acordo de Basiléia (1994), permitiram aos bancos aumentar sua lucratividade emprestando menos e especulando mais [1]. Em resumo, durante o (des)governo FHC, não só os empréstimos para o desenvolvimento econômico rarearam como também o sistema financeiro tornou-se essencialmente parasitário, vivendo basicamente de uma agiotagem desenfreada em torno do serviço da dívida pública.

O Crédito no Governo Lula (2003-2008): omissão do governo e sucesso aparente.

A situação começou a mudar no governo Lula a partir de 2005, quando o volume de créditos para a economia entrou em um crescimento acelerado. De menos de 24% do PIB em fins de 2004 [2], o volume de créditos saltou a 45,9% do PIB em agosto deste ano [3]. A tabela abaixo demonstra claramente o tamanho expressivo deste crescimento.



Chama a atenção o fato de que o crédito total ofertado à economia mais que dobrou no governo Lula, enquanto o crédito fornecido pelos bancos públicos (especialmente o BNDES e a Caixa Econômica Federal) quase triplicou no período! Destaca-se também, conforme tabelas a seguir, a recente aceleração abrupta nos financiamentos para a habitação, puxados em grande parte pelas mais de 400.000 casas já contratadas para o programa Minha Casa, Minha Vida [4], que representa uma importante ação governamental (talvez inédita no país) de combate ao nosso vergonhoso défcit habitacional.

Porém, por trás desse aparente sucesso, esconde-se o fato de que muito desse crescimento do crédito no país, até o ano da crise mundial (2008), se deveu muito mais a uma melhor conjuntura econômica do que à ação do governo. Pois o fato é que (conforme as tabelas acima), até a crise de 2008, o crédito dos bancos públicos pouco cresceu no governo Lula, de forma que o crescimento no crédito foi muito mais puxado pelos bancos e financeiras privados, que por força da conjuntura atual, se tornaram menos parasitários (e mais financiadores do desenvolvimento) do que na era FHC. Dois motivos alheios ao governo levaram a esse crescimento do crédito privado: primeiro, a acentuada queda na taxa de juros SELIC (fixada pelo Banco Central, que é completamente autônomo com relação ao governo), que embora ainda seja uma das maiores do mundo, reduziu-se a ponto de frear a especulação e destravar o crédito (a SELIC despencou sucessivamente de 26% em 2003 a 17% em 2005 e 10,7% em 2010) [5]; e segundo, a necessidade dos bancos de encontrar onde reinvestir seus mega-lucros acumulados por décadas com a agiotagem da dívida, levando-os a ir além da especulação pura e simples e a diversificar seus negócios oferecendo mais crédito.

A Crise de 2008: intervenção do Estado e explosão dos empréstimos!

A ausência quase total do governo no setor só começou a mudar com a crise mundial de 2008, a mais grave do capitalismo internacional em quase um século. Para tentar impedir o afundamento da economia, o governo Lula se viu obrigado a "abrir a carteira" dos bancos públicos, que a partir daí registraram um crescimento vertiginoso nas suas atividades, puxando o crédito total da economia pra cima e ajudando a atenuar os efeitos da crise no país. Porém, embora tenha sido um movimento importante no sentido de desconstruir o dogma neoliberal do "Estado mínimo", reforçando o papel estatal de condutor e orientador do desenvolvimento, pouco adiantou para impedir o fiasco do Brasil frente à crise. Pior, tudo indica que tal movimento de reforço do crédito por parte do Estado seja apenas temporário, uma "medida excepcional" apenas para combater a crise; de fato, à medida que a crise vai se distanciando, voltam a crescer as pressões neoliberais-conservadoras dentro e fora do governo contra o que se considera um "crescimento excessivo e perigoso" do crédito [6][7]. Além do mais, há que se estudar mais a fundo o quanto desse crescimento súbito do crédito público se perdeu nas "operações de socorro" aos lucros das grandes empresas "em dificuldades" por conta da crise; de fato, o comportamento anômalo da oferta de crédito no Brasil, com seu súbito crescimento durante a crise, na verdade não desconstrói o neoliberalismo do governo Lula, mas antes o reforça: Estado mínimo e especulação desenfreada em tempos de "prosperidade", Estado "gigante" e "intervencionista" para salvar os lucros dos capitalistas durante as crises!





Quem quer dinheiro? A ilusão consumista e a popularidade de Lula.

Na explosão do crédito registrada após a crise de 2008, há que se destacar o crescimento vertiginoso do crédito à pessoa física para consumo (dinheiro emprestado para as pessoas comprarem mercadorias) e a sua íntima associação com os altíssimos índices de popularidade do governo Lula. Observando as tabelas logo acima, vê-se que o crescimento médio anual de diversas modalidades de crédito para consumo pessoal acelerou bastante após 2008. De 2002-08 a 2008-10, o crescimento médio anual do crédito para consumo acelerou de 5,7% a 11%, o cartão de crédito foi de 22,4% a 24,7%, os empréstimos de bancos públicos para o consumo saltaram de 12,2% a 27,8% e o crédito para compra de veículos disparou de 8% a 23% [8]! O detalhe crucial, que a muitos passou despercebido, é que os índices de aprovação e confiança da população em Lula, medidos pelo Ibope e pelo Datafolha, só alcançaram os atuais valores recordes (mais de 70%) por volta do final do primeiro semestre de 2008, a mesma época da disparada da oferta de crédito para o consumo! Antes disso, Lula tinha índices de aprovação tão ruins quanto o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (em torno de 50% ou até menos) [9]!

Disto conclui-se que um dos principais fatores (senão o principal) do "sucesso" do governo Lula, quiçá da própria consolidação do "lulismo" como força política de massas, é a recente e inédita explosão de uma onda consumista por parte do povo, financiada por empréstimos e mais empréstimos! Aqui vale como nunca o velho bordão lulista de que "nunca antes neste país" o povo consumiu tanto quanto dos últimos dois anos para cá! Isso produziu junto ao povo uma súbita sensação de riqueza e de melhora no padrão de vida como jamais se viu antes, numa aparência ilusória que constitui o lado mais perverso do reformismo do PT. Pois o fato é que, fazendo-se o povo consumir mais e mais supérfluos, se camufla a triste realidade das coisas essenciais à vida! Esconde-se mais facilmente, pela ilusão consumista, que o governo Lula em nada melhorou nossa saúde e nossa educação, pouco fez contra o desemprego, a exploração, os baixos salários e os altos lucros dos capitalistas, a criminalidade e o caos urbano, a violência no campo... Pior, serviu para esconder até mesmo os piores retrocessos do governo lula, e estabeleceu um "ciclo de crescimento" instável e potencialmente catastrófico, porque sustentado numa torrente de empréstimos e endividamento sob taxas de juros ainda muito elevadas.

EM RESUMO, esta é a herança da opção reformista do PT, explicada por sua política de abundante crédito popular ao consumo: um povo que se vê em um "presente brilhante" comprando carros, celulares e televisores de plasma, mas que mal sabe ler, morre nas filas do SUS e que, com tudo isso, sem saber vai condenando o seu próprio futuro.


[1] http://www.ipea.gov.br/pub/td/td_2001/td_808.pdf
[2] http://www.febraban.org.br/Arquivo/Destaques/RELATORIOFEBRABANEvolucaodoCredito112007.pdf
[3] http://www.bcb.gov.br/pec/boletim/banual2007/rel2007cap2p.pdf
[4] http://g1.globo.com/economia-e-negocios/noticia/2010/04/minha-casa-atinge-408-da-meta-de-1-milhao-de-casas.html
[5] http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=486605261&Tick=1283290138146&VAR_FUNCAO=Ser_MUso()&Mod=M
[6] http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4406270-EI6579,00-Julio+contra+superaquecimento+BC+deveria+reduzir+credito.html
[7] http://zerohora.clicrbs.com.br/especial/rs/zhdinheiro/19,0,2819552,Para-reduzir-credito-BC-aumenta-taxa-do-deposito-compulsorio-de-bancos.html
[8] http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOM
[9] http://noticias.uol.com.br/politica/pesquisas/


domingo, 19 de setembro de 2010

Debate dos candidatos da esquerda socialista, dia 21*

Em 21 de setembro de 2010 a partir das 21 horas o Jornal BRASIL DE FATO estará promovendo um debate com os candidatos da esquerda que não são convidados para participação em debates da grande mídia.

Neste debate estarão presentes: o nosso camarada Ivan Pinheiro, Zé Maria (PSTU) e Rui Pimenta (PCO).

O debate será transmitido em rede de Internet e para acessá-lo basta conectar-se com a página do BRASIL DE FATO: www.brasildefato.com.br

Para melhores detalhes acessem o link que estamos enviando.

Solicitamos que para a maior divulgação desse evento este link seja repassado para as listas pessoais de e-mail de cada um dos camaradas que está recebendo esta mensagem.

DEBATE DOS PRESIDENCIÁVEIS DA ESQUERDA

21/09/2010 - 21HORAS – TERÇA-FEIRA

IVAN PINHEIRO (PCB) – RUI PIMENTA (PCO) – ZÉ MARIA (PSTU)

Assista pela página do Jornal BRASIL DE FATO - www.brasildefato.com.br


* obs: o candidato do PSOL, Plínio Sampaio, não quis participar do evento.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Os quatro grandes mitos do governo Lula

Primeiro mito: com Lula, o Brasil "cresceu enormemente", a renda "disparou" e o desemprego "é o menor da história":

É verdade que, comparado ao desgoverno FHC, o Brasil cresceu mais. Mas o suposto "sucesso" petista desaparece ao analisarmos o desempenho da economia mundial nos últimos vinte anos. Com FHC, o Brasil cresceu ao ano apenas 2,3% em média, metade da média dos países "em desenvolvimento" no período (4,3%). Já com Lula, o aparente maior crescimento brasileiro mascara o mesmo fracasso do desgoverno tucano. Pois o crescimento médio de 3,6% na era Lula ficou bem abaixo da média do mundo "em desenvolvimento", de 6,5% no período. Com Lula, novamente o Brasil cresceu só a metade do mundo "em desenvolvimento". O mesmo fracasso em alavancar o desenvolvimento nacional que o desgoverno tucano, dessa vez no entanto camuflado por uma conjuntura mundial bem mais favorável.

Na crise de 2008-2009, o governo encheu a boca pra falar que "saímos ilesos da crise", algo que pouco condiz com a realidade. Apesar das gordas mesadas do governo a empresas "em dificuldade", muitos postos de trabalho foram cortados e a economia do Brasil encolheu, registrando um péssimo resultado em comparação com outros países. De acordo com cálculos do CIA World Factbook, entre 134 países de todo o mundo, o Brasil ficou em 84º lugar em desempenho econômico em 2009, com uma queda do PIB de 0,19%. Só mesmo comparando o Brasil com os países ditos desenvolvidos, centro nevrálgico da crise, que se pode achar que esta não nos afetou...

Diz-se também que, com Lula, os empregos e a renda dispararam. Nada mais falso. De acordo com o SEADE, o desemprego médio anual total das principais capitais atingiu o absurdo valor de 16,99% de 2003 a 2009, apenas um pouco melhor do que a horrorosa média de 19,2% do segundo mandato de FHC. Contra esses números, os lulistas enchem a boca pra dizer que, de acordo com o IBGE, o desemprego atingiu em julho a menor média da série histórica do instituto. Pra entender a piada, porém, é preciso lembrar que a série histórica do IBGE, não por coincidência um órgão do governo federal, começa em 2002, já às portas do primeiro mandato de Lula. Que bom que só agora, no fim do seu mandato e às vésperas das eleições, que Lula conseguiu registrar o menor desemprego do seu próprio governo!

Sobre o "sucesso da distribuição de renda", outro mito que representa uma "falsa verdade". Observando por baixo, é verdade que, no governo Lula, houve um crescimento real do salário mínimo muito maior do que na era FHC; mas observando pelo meio, em contrapartida, o rendimento médio real dos assalariados no Brasil diminuiu no governo Lula, indo, de acordo com o SEADE, de R$ 1.314 em 2002 a R$ 1.309 em 2009! Isso apesar da economia brasileira ter crescido 27,7% no acumulado do período!

Com todos esses números, só mesmo um aumento exponencial no crédito para o consumo, como registrado no governo Lula, poderia manter o consumo, a economia e a popularidade do presidente em alta. Mas com os salários em baixa e o crédito em alta, até quando iremos antes que estoure a bolha do super-endividamento?

Em resumo, Lula aproveitou a conjuntura econômica externa tanto quanto o desgoverno tucano (ou seja, em quase nada), pouco fez contra a crise de 2008/09 e fez menos ainda pra combater o desemprego e melhorar o rendimento médio do trabalhadores. Este portanto é o balanço econômico da era Lula: um "sucesso retumbante" que só existe na propaganda governista.


Segundo mito: o governo Lula "acabou com a dívida externa":

Apenas uma ínfima parcela disso é verdade, mais especificamente, a parcela da nossa dívida externa devida diretamente ao FMI. O restante da dívida, devida a bancos e governos do mundo inteiro, na verdade sua imensa maioria, segue intocada. Inclusive esta voltou a crescer nos últimos anos, alcançando em junho a marca de 225 bilhões de dólares! Pior, se contarmos também a dívida privada, o montante que devemos ao exterior passa dos 300 bilhões de dólares! Para pagar essa dívida e(x)terna, drena-se todo ano às dezenas de bilhões de dólares o suor do trabalho do nosso povo, através dos resultados positivos das exportações, que captam dólares pra alimentar a sede insaciável dos mega-especuladores internacionais.

Porém, muito pior que a dívida externa, só mesmo a interna, que na prática não existia antes do governo FHC, aumentando quase 10 vezes no desgoverno tucano e mais que dobrando no governo Lula! Atualmente, a dívida interna chega a 1,5 trilhão de reais (!!). Mesmo crescendo nesse ritmo, o chamado "serviço da dívida" já drenou dos cofres públicos quase R$ quatro bilhões desde 1992 (em reais de 2010), um verdadeiro "bolsa banqueiro" pago pesadamente às nossas custas! Só em 2009, de acordo com a Auditoria Cidadã da Dívida, o governo comprometeu R$ 370 bilhões dos nossos impostos (ou 35,57% do orçamento do Estado) com os agiotas e "mega-investidores" nacionais. O "bolsa banqueiro" bateu de longe os gastos com educação (2,88%), saúde (4,64%) e até os da tão dita "super deficitária" previdência (25,9%). Só assim pra entender como os lucros dos grandes bancos registraram o recorde de R$ 14 bilhões no primeiro semestre de 2009, em pleno auge da crise!

Indo na contramão de todo princípio ético e de justiça social, o governo Lula conseguiu engordar o "bolsa banqueiro" ainda mais do que o desgoverno tucano. A cada real arrecadado dos nossos impostos, FHC gastou 21 centavos com os banqueiros, enquanto Lula, pasmem, gastou 30 centavos! Isso enquanto, no mesmo período, foram apenas oito centavos dos nossos impostos para saúde e educação somados! Tudo isso vindo de um governo que disse ter "acabado com a dívida"!

Com tanto dinheiro para os banqueiros, fica difícil sobrar algo dos nossos próprios impostos para nós mesmos. É aí que vemos como o governo Lula consegue, em termos econômicos e sociais, rivalizar com alguns dos piores retrocessos econômico-sociais do desgoverno FHC (ver "primeiro mito" acima). Nada mais coerente, afinal, Lula em nada mudou a velha política econômica neoliberal demo-tucana, o código economicista de "metas de inflação, 'autonomia' do Banco Central, câmbio flutuante e superávit primário", que traduzido ao português, significa Estado máximo para os grandes capitalistas, e mínimo para os trabalhadores!


Terceiro mito: a previdência é "deficitária", e por isso precisa ser "reformada":

Aí está um mito que se repetiu muito para justificar o primeiro grande retrocesso neoliberal do governo Lula (a chamada "reforma da previdência" de 2003), um lema que continua sendo repetido tanto pelo governo petista quanto pela oposição de direita para justiciar novas "reformas" no sistema previdenciário. A verdade no entanto, por mais que isso surpreenda alguns, é de que a previdência não é deficitária. Quando o atual sistema previdenciário foi instituído em 1988, decidiu-se incorporar aos beneficiários do sistema uma grande massa de trabalhadores rurais, que até então jamais haviam contribuído ao sistema, fazendo com que a diferença entre contribuições recebidas e benefícios pagos se tornasse negativa. Mas naquela mesma época, prevendo-se tal diferença nas contas, criaram-se novas contribuições tais como como o COFINS para adequar o sistema à nova realidade. O detalhe sinistro é que, se hoje as contas do sistema previdenciário hoje aparecem negativas, é porque o dinheiro de impostos como o COFINS vem sendo há décadas, através da famigerada Desvinculação das Receitas da União, desviado para pagar os juros da dívida pública de Lula e FHC. Mais uma vez, aos banqueiros tudo, enquanto ao povo, nem o que é seu por lei!


Quarto mito: com a "prosperidade" do governo Lula, a classe média "disparou" e já é "mais da metade da população".

Talvez o mais escandaloso dos mitos, este não se sustenta nem ao estudo dos próprios critérios de definição de "classe média." De acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), responsável pelos estudos do "crescimento vertiginoso" da classe média, entende-se como pertencentes à tecnicamente chamada "classe C" aquelas famílias com rendimento mensal entre R$ 1126 e R$ 4854. Ora, levando-se em conta o número médio de 2,7 indivíduos por família no Brasil (considerando-se, de forma bem otimista, o ritmo de diminuição da família média brasileira registrado pelo IBGE nos últimos anos), vê-se que a "classe média" da FGV e de Lula tem renda mensal por indivíduo familiar entre R$ 417 e R$ 1798! Um piso bem abaixo do atual salário mínimo (R$ 510) e um teto também abaixo do salário mínimo "necessário a uma vida digna" de R$ 2100 do DIEESE! Ora, pergunta-se então, que classe média é essa que tem salário de pobreza, e muitas vezes das mais extremas? Enquanto esta "classe média" (na verdade, classe pobre) representa hoje pouco mais de 50% da população, a verdadeira classe média (a B, com rendimento de R$ 1798 a R$ 2344 por indivíduo na família) fica na "impressionante" cifra de menos de 10% da população. Já as classes D e E (os miseráveis extremos) são quase 40% da população!

Disto conclui-se que, apesar da queda acentuada no número de pobres extremos no Brasil nos últimos anos, o quadro está longe de ser a "maravilha" pintada pelo governo Lula e pela grande mídia, considerada por alguns de "golpista".

O sujo e o mal lavado (2)

Quem ainda não viu as propagandas na televisão associando o governo Lula a algumas das piores figuras da nossa política? A propaganda lembra ao eleitor, muito corretamente aliás, quem foi a "base de sustentação" (ou seriam os "amigos") do governo de Lula e Dilma. Figuras ligadas a casos escandalosos de corrupção, como os senadores Renan Calheiros (o homem dos "bezerros de ouro"), José Sarney (o "grande padrinho" do Senado) e, o pior de todos, o "amigão" lulista Fernando Collor de Mello, o mesmo que se aliou à Globo para derrotar Lula na sujeira das eleições de 1989, e que depois se tornaria o primeiro e único presidente do Brasil a ser destituído por envolvimento com corrupção.

Foram muitos os escândalos de corrupção dos "amigos de peito" do PT no Congresso ao longo desses oito anos, dentro e fora do partido (ou já esquecemos do "mensalão"?), e o esmero com que Lula e Dilma protegeram da Justiça os seus corruptos aliados só pode ser comparado à falta de escrúpulos com que o PT rasgou suas bandeiras históricas ao se aliar com estes seus velhos oponentes, inimigos ferrenhos de tudo que Lula e seu partido defenderam antes de chegar ao governo.

Bem fez a oposição de direita demo-tucana em vir às rádios e televisões para relembrar ao povo as amizades escusas do PT. Mas há de se lembrar que essas propagandas têm rareado, senão desaparecido, nas últimas semanas. O que se passa?

O que se passa é que aliados da candidatura de Serra têm eles mesmos se incomodado com esse arroubo moralista da direita, simplesmente porque ela atinge a própria base de sustentação demo-tucana. Chega a ser hilário quando um dos grandes aliados de Serra no Rio de Janeiro, o ex-deputado e Presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson (isso mesmo, aquele do mensalão!!) critica publicamente a Serra por este revirar os podres de Collor, que hoje é senador e candidato do PTB ao governo de Alagoas. O próprio Jefferson, não esqueçamos, vinha se beneficiando do esquema de corrupção dos Correios antes de denunciar o mensalão. Com uma longa ficha de podridões e serviços prestados a políticos corruptos (como o próprio Collor, que ele defendeu em 1992), Jefferson já foi aliado do governo Lula no Congresso e hoje passou para o lado da "moralidade" demo-tucanalha. O que fica mais quixotesco, a oposição de direita atacando as podres amizades do governo, ou essa mesma parcela da oposição tendo que se calar a seguir por conta de seus vexaminosos rabos presos?

Como diz o ditado popular, é o sujo falando do mal lavado.

O sujo e o mal lavado

Esquentando a briga eleitoral, a candidatura de Dilma Rousseff acionou o TSE pedindo direito de resposta contra a coligação de José Serra, ocorrida há um mês, em que o concorrente tucano afirma com todas as letras que "a Dilma aumentou a conta de luz". Os petistas alegam que a culpa pelos aumentos da conta de luz "não é do governo Lula", já que, lembram eles, quem determina os aumentos da luz é a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). O pedido foi negado, a exemplo de outro de igual conteúdo impetrado dias antes. Afinal, ninguém em sã consciência pode engolir que o governo "lave as mãos" sobre questão tão importante quanto o aumento das tarifas de energia, empurrando a responsabilidade que devia ser sua à uma "agência reguladora" supostamente "autônoma"...

De fato, a culpa do governo Lula pelas altas tarifas de energia (uma das maiores do mundo), reside justamente na sua omissão com relação a uma questão que devia ser estratégica. "Autônoma" do governo, a ANEEL, a exemplo de outras agências reguladoras, não é nem um pouco autômoma com relação ao mercado, como fica evidente pelos generosos aumentos, sempre muito acima da inflação, autorizados pela agência às empresas do setor. É literalmente a raposa cuidando do galinheiro, uma situação vergonhosa que o governo Lula e a "sra." ministra-chefe Dilma Rousseff sequer tentaram mudar nos oito anos que o povo lhes confiou. Nesse sentido, portanto, a acusação da oposição de direita demo-tucana de que o governo é culpado pelos aumentos das tarifas está mais do que correta.

No entanto, o detalhe crucial, ao qual a oposição de direita faz boca-de-siri, é de que, se hoje a raposa cuida do galinheiro no setor energético, a culpa é justamente deles! Pois foi no governo FHC, da coligação demo-tucana, que se instituiu o atual modelo de "agências reguladoras autônomas", sem contar a própria privatização do setor elétrico, que levou a conta de luz a disparar em mais de 200% só no primeiro mandato demo-tucano.

Como diz o ditado popular, é o sujo falando do mal lavado.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Os mineiros chilenos e o trabalho subordinado

Nas últimas semanas tem-se divulgado à exaustão o drama dos 33 mineiros chilenos que desde o dia 5 de agosto permanecem presos a 700 metros de profundidade, podendo lá permanecer por meses até que a construção de um novo túnel permita seu resgate. Muito se fala (e ainda se falará) sobre a situação destes mineiros do Chile, suas condições de sobrevivência na mina desabada, como passam seu tempo, como andam os trabalhos de resgate. Mas pouco ou nada se falará sobre as causas que levaram a essa tragédia, a saber as más condições de trabalho, o descaso de patrões e governos com a segurança do trabalho como um todo, e o preço cobrados em incontáveis tragédias humanas, sempre e onde aqueles que trabalham se encontram completamente subordinados aos interesses próprios de patrões e governos, algo que somente salta aos olhos em atividades de maior risco, como a mineração.

O desastre dos trabalhadores da mina de San José tornou-se um exemplo desta afirmação pela incomum repercussão que gerou na grande mídia corporativa. Embora há muito os mineiros do Chile denunciem as condições arriscadas de trabalho na extração da principal riqueza do país, o cobre, somente agora após esta tragédia (que também custou a amputação da perna de um trabalhador) o governo chileno resolveu tomar providências. Anunciou que irá "rever leis trabalhistas" e os métodos de fiscalização do cumprimento destas pelas companhias mineradoras. Além disso, demitiram-se também diversas autoridades públicas do setor de mineração, numa espécie de reconhecimento do Estado chileno por sua culpa no acidente e uma tentativa deste de "sair melhor na foto" das manchetes do desastre, como se o governo conservador do sr. Sebastián Piñera se importasse realmente com o drama diário dos milhares de mineiros chilenos que todo dia arriscam suas vidas para serem explorados pelos patrões das minas privatizadas por Pinochet.

No entanto, a combinação de descaso público com a ganância corporativa se repete além, tanto no Brasil quanto no mundo. Só este ano já foram registados dois acidentes fatais envolvendo mineiros da região carbonífera de Santa Catarina. E na China (que só é comunista no nome), quase todo mês noticiam-se desastes em minas de carvão privadas e/ou clandestinas que matam dezenas e dezenas de trabalhadores de uma só vez, fazendo das minas chinesas o maior e mais brutal matadouro de trabalhadores do planeta! Tais problemas porém vão além da mineração e se espalham até pelo dito "primeiro mundo", atestando inclusive que não só os trabalhadores sofrem quando os patrões fazem o que querem. Quem lembra, por exemplo, que o acidente com a plataforma da British Petroleum no Golfo do México, que ao vazar petróleo no mar durante meses provocou o maior desastre ambiental da história dos Estados Unidos, começou com uma explosão que custou a vida de onze trabalhadores? E agora chegam as notícias da explosão de mais uma plataforma petrolífera nos EUA, desta vez sem vítimas fatais. Um desastre após outro, resultado direto das "reformas" na fiscalização da atividade petroleira realizadas pelo governo Bush, que ampliaram no setor petroleiro a ditadura das grandes corporações sobre o poder público e o conjunto das classes trabalhadoras.

Em comum com os mineiros chilenos, os desastres petrolíferos do golfo do México e muitas das tragédias que se vêem no mundo, há sempre os mesmos elementos. Ganância de patrões irresponsáveis, ânsia pela "redução de custos" para sobreviver à competição do mercado, falta de fiscalização das leis trabalhistas (quando elas existem), etc. É a lógica do capitalismo, que sempre explorou e vitimou os trabalhadores de todo o mundo. Para enfrentar tal lógica, não se pode jamais depender nem da "boa-vontade" dos patrões das empresas (sejam elas estatais ou privadas), nem da "benevolência" dos governantes, mesmo que estes sejam "de origem popular". Se o trabalhador não cuidar dele próprio, não é outro que irá fazê-lo. E cuidar de nós mesmos significa lutar pelo fim da subordinação do trabalho a quaisquer entes alheios a ele (patrões, governos, cúpulas sindicais pelegas, etc.), começando por uma atuação sindical unida, combativa e consciente, e culminando na libertação definitiva do trabalho pela co-gestão e/ou autogestão das empresas, única forma do trabalhador manter e ampliar seus direitos e evitar ao máximo tragédias como a dos mineiros chilenos.