sábado, 7 de maio de 2016

Uma crise e suas ilusões

Com o anúncio do afastamento do corrupto Eduardo Cunha pelo STF, os mais ufanistas agora dizem que "valeu a pena" encaminhar a cassação da Dilma, pois "agora sim" todos os corruptos começarão a cair e "enfim o país vai pra frente".

Mas pode mesmo haver uma intenção séria de se combater a corrupção, quando se recorre a um corrupto comprovado (Cunha) para cassar governantes como Dilma, que de comprovado só sua impopularidade? O "combate à corrupção" não passa de uma grosseira encenação quando se decide derrubar o deputado ladrão só depois dele cumprir seu grandioso papel de derrubar a presidente indesejada. Que futuro podem ter "investigações" feitas nessas bases?

Indo além das impressões, qual o saldo de todo este processo? Estamos trocando um governo ruim por outro que se anuncia ainda pior: que planeja usar a falácia do "desequilíbrio nas contas" para promover uma caça sistemática aos nossos direitos sociais e trabalhistas, fazer uma nova contra-reforma da previdência, seguir entregando o patrimônio público a preço de banana, cortar investimentos públicos essenciais (sem reduzir o número de ministérios!), seguir à risca o velho receituário neoliberal de combater a inflação com mais juros, menos salário e mais desemprego. Enfim, acelerar aquilo que o governo do PT vinha fazendo de forma lenta e vacilante. Saem "a mulher e os petralhas", entram o banqueiro Meireles pra dirigir a economia, o famigerado Serra (que entregou o pré-sal pro estrangeiro) nas relações exteriores, o evangélico fanático e anti-científico no ministério da ciência e outros horrores ainda por vir. Final feliz?

Nisto é a que conduziu a obsessão cega contra a "máfia do PT" e do "combate à corrupção", imaginando que este seria nosso único grande problema. Ignora-se, assim, a base real onde se dá tal corrupção: uma forma de organização social, o capitalismo e seu dito "livre-mercado", que ao estabelecer que o dinheiro pode tudo, se faz corrupto por natureza e gera instituições e governantes igualmente corruptos, e que ao viver assolado por crises econômicas que ele próprio produz, cria os pretextos para "flexibilizar" cada vez mais nossos direitos só para aumentar ainda mais os lucros dos grandes empresários, criando novas contradições que produzirão novas crises ainda maiores. E de tempos em tempos, pra parecer que as coisas mudam, trocam-se os nomes quando estes não mais convém (sai Dilma e Cunha, entram Temer, Aécio e outros; depois caem estes últimos, e vêm outros). Feita assim, a "caça à corrupção" não passa de um pretexto para uma mera briga entre poderosos, um motivo para apontar ao adversário com o dedo sujo. Mas o "cidadão de bem" comemora! Basta juízes e a imprensa "fazerem sua parte" (e agora parecem fazê-lo) para nos livrarmos de todos os nossos problemas, sem precisar lutar por mudanças de fundo nesta ordem que grita "corruptos" mas aceita inúmeras formas legalizadas de corrupção: a exploração do trabalho, que converte o trabalho de todos nós na riqueza de alguns poucos; o poder irrestrito do dinheiro, que cresce a cada privatização ou "concessão" que se faz; o financiamento privado das campanhas eleitorais, na qual os políticos dos grandes partidos baseiam todas as mentiras que vendem em troca do voto. Por que o "cidadão de bem" é incapaz de ver corrupção nisto tudo e em tantas outras formas de corrupção legalizada?

Contra esta falsa esperança vendida pelos poderosos, de que haveria solução aos nossos problemas dentro da ordem estabelecida por eles, devemos ter o otimismo da razão. Querem nos fazer pagar a conta da crise deles. Contra isso, precisamos todos nos organizar nos nossos locais de trabalho, estudo e moradia para resistir. Com isso, cada político que for caindo do castelo de cartas deixará de ser uma cortina de fumaça a mais e se tornará uma desculpa a menos para esconder de nós, o povo, a verdadeira crise que nos querem fazer pagar, a crise de um sistema que simplesmente não funciona. Então, como diz o poeta, "quando os trabalhadores perderem a paciência", não serão políticos corruptos a cair. Será toda esta ordem corrupta, que cria tais políticos, que dará lugar ao verdadeiramente novo.

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